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Marcelo D2 recorda encontro com Mujica: "Foi como encontrar um guru"

Pepe Mujica nos ensinou que política é afeto

Marcelo D2 recorda encontro com Mujica
Foto: Divulgação/Marcello Lobatto

José “Pepe” Mujica se despediu do mundo esta semana, aos 89 anos, e com ele vai um pedaço do espírito livre da América Latina. Ex-guerrilheiro, ex-presidente do Uruguai e eterno defensor da justiça social, Mujica morreu como viveu: humilde, firme em suas ideias, cercado de admiração. Entre os muitos artistas que cruzaram seu caminho, um deles foi Marcelo D2 — que guarda até hoje a lembrança viva do dia em que bateu na porta da chácara do uruguaio, no fim de uma tarde qualquer de 2016.



A visita aconteceu quando o Planet Hemp viajou ao Uruguai para um show, e D2 aproveitou a chance para conhecer de perto o país que, sob a liderança de Mujica, havia se tornado o primeiro do mundo a legalizar a maconha — uma pauta que atravessa as três décadas da banda como questão de justiça social.


Pepe morava em uma casinha simples na zona rural de Montevidéu. Sem seguranças, sem formalidades. Dirigia o mesmo Fusca 1987 desde sempre — inclusive enquanto era presidente. Por ali também já passaram nomes como Roger Waters, Jorge Drexler, Manu Chao e Residente, que prestaram homenagens ao político após sua morte nesta quarta-feira (14). Mas naquele dia, o visitante era brasileiro e chegou com o coração aberto. E foi recebido com carinho de avô.



“Ele é uma figura importantíssima da nossa geração por tudo o que passou. Foi um encontro muito forte, quase como encontrar um guru. Deve ser a mesma sensação que as pessoas têm quando encontram o Dalai Lama, sei lá. Quando cheguei, senti que ele estava me testando, tentando entender quem eu era. Mas depois fomos quebrando o gelo. Virou um bate-papo. No fim, ele tava fazendo carinho nas minhas costas enquanto conversávamos. Fui pra falar de legalização e esse acabou sendo o assunto que menos abordamos. Tinha muito mais pra aprender com ele”, relembrou D2 ( Via O Globo)


A equipe do músico registrou o momento — Mujica aparece à vontade, sorridente, como quem recebe um velho amigo, não um ídolo que cresceu ouvindo Planet Hemp. Foi um daqueles encontros que marcam a alma.


Mujica sempre foi símbolo de resistência. Lutou contra a ditadura nos anos 60 como membro do Movimento de Libertação Nacional-Tupamaros, passou 14 anos preso em condições desumanas e saiu dali com um olhar ainda mais generoso para o mundo. De 2010 a 2015, como presidente, aprovou leis progressistas sobre aborto, drogas e união homoafetiva. Em 2015, foi eleito senador e seguiu atuando até se aposentar durante a pandemia, sem jamais abandonar o pensamento livre. Escreveu livros, deu palestras, viralizou com frases sobre amor, lazer, meio ambiente e cultura.


No mesmo 2016 em que visitou Mujica, D2 voltou ao Brasil impactado — e mais convencido do que nunca de que é preciso coragem para romper ciclos.


“O Uruguai é muito foda, né, cara. A evolução que o país teve nos últimos anos… Só o Uruguai pra ter um presidente como o Mujica mesmo. Um país amigável, pequeno, cujo povo preza a relação com o próximo, algo que tanto perdemos nestes tempos. Foi incrível ver como funciona o lance da legalização por lá. É super bem organizado. Vivi um sonho de 20 e poucos anos, né? Como eu queria que o Brasil tivesse a coragem de tirar este peso de cima da favela. O país não precisa de mais polícia no morro, precisa de educação e saúde”, refletiu o rapper.



Desde então, Marcelo D2 continuou sua caminhada com lançamentos como Amar É Para os Fortes (2018), IBORU (2023) e o retorno triunfal do Planet Hemp com JARDINEIROS (2022). No ano passado, celebrou 30 anos de estrada com o DVD Baseado em Fatos Reais — um projeto que carrega, nas entrelinhas, o mesmo espírito libertário de Mujica.


O corpo de Pepe recebeu nesta quarta-feira (14) um cortejo emocionante pelas ruas de Montevidéu, passando por lugares que ajudou a transformar — como o Palácio Legislativo e a antiga sede dos Tupamaros. A multidão acompanhou em silêncio, com flores, faixas e olhos marejados.


Pepe Mujica partiu. Mas deixou sementes demais espalhadas por aqui. No campo, nas favelas, nos discos, nas rodas de conversa. No afeto que ainda insiste em brotar, mesmo em tempos de ódio.

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