Marcello Almeida
- 12 de jan. de 2023
- 2 min de leitura

Loraine James realmente constrói algo bonito com seu mais recente disco ‘Building Something...'

Um disco que se abastece de toda a expressividade, delicadeza e experiências pessoais da artista.

Ao longo dos anos, a compositora e produtora inglesa Loraine James aperfeiçoou e trabalhou todo o potencial de sua voz e o lado criativo e minimalista de sua obra. Loraine mistura de maneira exemplar elementos da música eletrônica e experimentalismo, com isso cria um elo para um som altamente expressivo ao fundir o jungle e o idm e assim narrar seus conflitos, emoções e experiências pessoais.

Através deste contexto criativo, chegamos ao seu mais recente trabalho, ‘Building Something Beautiful For Me’ (2022), um disco que se abastece de toda a expressividade, delicadeza e experiências pessoais da artista e com isso ela consegue traduzir diversas aflições do nosso mundo atual. Detalhes rudimentares que fazem o disco se tornar necessário e honesto para o atual período e momento que vivemos em nosso cotidiano.

Isso se dá pelo simples fato dá cantora reformular, adaptar e criar um delineamento para a obra do emblemático compositor Julius Eastman (1940-1990), reconhecido como o pai e precursor do processo minimalista que inovou a música ao misturar elementos, ritmos e gêneros, Loraine utiliza-se destes fragmentos para desbravar seus próprios sentimentos e vivências.

Assim como Julius, um gay negro dotado de um talento excepcional como compositor, cantor, instrumentador e pianista declaradamente homossexual, a cantora se utiliza disso para abordar e defender sua sexualidade. Muito dos assuntos tratados pela compositora no álbum são devidamente abordados através de camadas inquietantes e vocais precisamente encaixados na faixa de abertura “Maybe If I (Stay On It)”, contexto, que é reforçado pela excêntrica e bela “Choose To Be Gay (Femenine)”.

Algo que chama a atenção é que Loraine é totalmente nova no processo de familiarização da obra de Julius, e conseguiu primorosamente mergulhar e adaptar isso para o seu mundo. “The Perception Of Me (Crazy Nigger)” com sua atmosfera bucólica regida por pianos, consegue descrever as dores e lástimas da vida enquanto aspira ventos de positividade. O tempo também é algo relevante na obra. O disco não tem pressa de se entregar totalmente, e vai agraciando o ouvinte com surpresas ao decorrer do caminho das oito faixas que compõem o trabalho. Detalhe que se afasta dos discos anteriores da carreira solo, entre eles o conceituado 'Reflection' de 2021.

Porém, ‘Building Something Beautiful For Me’ é emanado por reviravoltas emocionantes, caso da faixa "Enfield, Always" que muda totalmente o ritmo e ambientação do disco. A artista não apenas se afasta do que é convencional, como abre espaço para uma nova sonoridade dentro do seu espaço criativo, sem medo de explorar a fundo suas limitações. Nesse ponto, o disco consegue fugir de um trabalho de releitura ou homenagem a Eastman, e ganha uma identidade própria que busca sua fuga nos terrenos emocionais da cantora.

"My Take" destaca muito bem essa mudança climática com seus sintetizadores que parecem correr disparadamente para a luz, algo que segue em "Black Excellence (Stay On It)". Loraine vem provando ser uma ótima revelação nos últimos tempos na música ambiente ao concentrar seu processo criativo em canções minimalistas com um cunho sentimental e sociopolítico relevante.