James Dean Bradfield, Víctor Jara e o aviso eterno contra o fascismo
- Marcello Almeida
- há 9 minutos
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A história nunca perdoa os que tentam calar a voz da liberdade

Em 11 de setembro de 1973, o Chile perdeu uma de suas vozes mais puras e corajosas. Víctor Jara, poeta, músico, professor e ativista político, foi brutalmente assassinado no golpe de estado liderado por Augusto Pinochet. Sua canção foi interrompida, mas sua voz nunca deixou de ecoar. Meio século depois, ela continua a atravessar o tempo, como inspiração e resistência diante das sombras que insistem em voltar.
É nesse mesmo compasso da memória que James Dean Bradfield, frontman do Manic Street Preachers, lançou Even in Exile em 2020. Um disco conceitual, visceral e profundamente humano, que quebra um hiato de catorze anos na carreira solo do artista para homenagear o legado de Jara. E, no Brasil, essa lembrança dialoga diretamente com o presente: enquanto celebramos a música que denuncia o fascismo, testemunhamos a condenação de Jair Bolsonaro — prova de que, mesmo tardia, a justiça histórica alcança os que tentam sufocar a democracia.
O retrato de um mártir em canções
Even in Exile é um álbum temático que mergulha na vida e obra de Víctor Jara. Bradfield se uniu ao poeta Patrick Jones, irmão de Nicky Wire, para criar onze canções que oscilam entre guitarras poderosas e arranjos poéticos, com exceção de “La Partida”, releitura de uma composição instrumental de Jara lançada em 1971.
As letras formam uma narrativa impressionista que vai da infância humilde de Jara até sua filosofia de vida, sua arte e sua execução brutal. Um alerta contra a repetição da barbárie. Bradfield, como já havia feito em “If You Tolerate This Your Children Will Be Next”, transforma material político em melodias apaixonadas — lembrando que a arte é, antes de tudo, uma arma de memória.
O álbum abre com “Recuerda”, uma introdução de violão que explode em rock urgente, trazendo versos que soam como epitáfio e aviso: “As canções que dão as boas-vindas / Canções que avisam / Para um futuro / Isto ainda está para nascer”.
Em “The Boy From The Plantation”, Bradfield retrata o menino que se tornou símbolo da liberdade latino-americana: “Víctor Lídio Jara Martínez / O menino da plantação que eles não puderam reprimir / Que dedilhava e cantava para sonhos e injustiças”. Uma canção que escancara as censuras que hoje rondam novamente o Brasil e o mundo, como um alerta para nunca fecharmos os olhos diante da ascensão do autoritarismo.
Já “Thirty Thousand Milk Bottles” mistura violão espanhol e metais latinos para denunciar a desolação da ditadura Pinochet, enquanto “From the Hands of Violeta” homenageia Violeta Parra, mãe do folk latino-americano e uma das grandes influências de Jara. “The Last Song”, por sua vez, flerta com o progressivo e o psicodélico à la Pink Floyd, encerrando o disco com tom etéreo e grandioso.
O eco da justiça no Brasil
Se Even in Exile é um tributo ao poder da memória, a condenação de Bolsonaro no Brasil mostra que a história ainda encontra formas de punir aqueles que tentam corroer a democracia. Jara foi silenciado pela violência, mas sua arte sobreviveu e se tornou símbolo de luta. Bolsonaro tentou transformar a mentira em projeto político, a violência em discurso oficial, a censura em método. E agora enfrenta as consequências.
O disco de Bradfield lembra que a barbárie começa quando se tolera o intolerável. A justiça brasileira, ao condenar Bolsonaro, mostra que ainda há frestas de luz. Não é vingança, é memória. Não é apenas política, é história sendo escrita diante de nós.
A canção que nunca morre
Even in Exile não é apenas uma homenagem a Víctor Jara. É um manifesto atemporal contra o fascismo, um lembrete de que a luta pela liberdade nunca termina. James Dean Bradfield constrói um retrato musical que dialoga com o presente e projeta o futuro, como quem ergue uma barricada feita de acordes e versos.
E quando a democracia brasileira dá um passo contra o autoritarismo ao condenar Bolsonaro, a voz de Jara ressoa ainda mais forte: nenhuma ditadura é eterna, nenhum tirano sobrevive ao tempo. O que permanece é a canção, é a memória, é a resistência.
Esquecer é deixar que a violência volte. Lembrar é o primeiro ato de justiça. Cantar, ainda hoje, é um gesto de insubmissão.

⭐⭐⭐⭐⭐