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Foto do escritorMarcello Almeida

Fale Comigo apresenta terror contemporâneo competente, com um olhar criativo para o gênero

Atualizado: 17 de set. de 2023

O grande mérito dos irmãos Philippou é defender e respeitar a ideia do filme, desenvolvê-la com baixo orçamento e segui-la até o final.

imagem Reprodução



Filmes de possessões, temos vários para contar a história. Posso até mencionar aqui o clássico O Exorcista, A Morte do Demônio, O Exorcista do Papa, que chegou recentemente ao catálogo do HBO Max, e outros. Em um terreno tão explorado cinematograficamente, como se sobressair e criar uma história autêntica e original sem perder o viés do terror visual desse gênero? Essa é uma pergunta que o australiano Fale Comigo (Talk To Me), dos irmãos Danny Philippou e Michael Philippou, que começaram com um canal no YouTube, responde bravamente. O filme tem sido assunto do momento na internet e redes sociais. Obteve uma estreia satisfatória no Festival de Sundance, o que chamou a atenção de grandes estúdios para sua distribuição nos EUA.


Vale ressaltar que o filme estreia dia 17 de agosto aqui no Brasil, com a distribuição pela Diamond Films. O longa já chama atenção pela originalidade dos diretores, que mesmo recebendo uma oferta de um grande estúdio para produzir o filme, recusaram, preferindo manter a ideia original e seguir com ela adiante, mesmo com poucos recursos. Sim, é uma produção de baixo orçamento, um filme independente, que aborda a possessão de uma perspectiva interessante e muito criativa dentro do gênero.




A trama gira em torno de um grupo de adolescentes que descobrem uma maneira de invocar e receber espíritos, quebrando todos os conceitos ritualísticos que já estamos acostumados a ver. Com um elemento chave, uma mão macabra embalsamada, que se torna uma grande coadjuvante na trama e deixa a ambientação bem mais sinistra e instigante. Uma brincadeira realizada por adolescentes que tomam decisões fúteis e impensadas, que vai acabar dando errado. Nesse detalhe, o filme instiga e foge daquele aspecto de previsibilidade encontrado em outras obras do gênero. O efeito aqui é outro: a dupla de diretores sabem como causar tensão e medo sem apelar para os famosos jumpscares.



A mão representa um suporte significativo, simultaneamente tátil e enigmático; ela também evoca o antigo mito do conto de William Wymark Jacobs, A Pata do Macaco, com suas tentadoras promessas de poder divino e nuances de ironia cósmica. Esteja atento ao que almeja, as consequências virão.




No centro disso tudo está Mia, interpretada pela ótima Sophie Wilde, que literalmente carrega o filme com sua interpretação e carga dramática. Uma personagem que luta internamente com alguns traumas e conflitos do passado, que irão servir de condutor para a narrativa dos eventos a seguir e a porta para os diretores trabalharem temas como luto e solidão em um ambiente sombrio, com uma forte pegada no terror psicológico. É possível perceber alguns elementos inspirados no assustador Corra de Jordan Peele, seja por um canguru mutilado na estrada que lembra a cena do cervo atropelado no filme de Peele. Os olhos arregalados de Mia, que de alguma forma remetem aos de Daniel Kaluuya.


Fale Comigo prospera ao criar um terror contemporâneo sob o ponto de vista dessa nova geração movida a likes e compartilhamentos nas redes sociais. A busca por incorporar espíritos é impulsionada pela procura por diversão e uma sensação entorpecente, equivalente a uma viagem alucinógena de uma droga.



Os efeitos práticos do filme são um ótimo recurso para a falta de grana; visualmente, Talk To Me é forte e impactante, sempre deixando aquele ponto instigante que vai te manter vidrado no filme. No entanto, quando se trata do terror psicológico construído como resultado da brincadeira do grupo, o filme perde força no roteiro ao conduzir e focar toda a carga em cima de Mia. Não que não seja justo, já que de fato ela conduz o filme e é a voz de Fale Comigo. Mas o enredo é sobre o coletivo, e quando envolve um grupo de atores talentosos como Zoe Tarakes, Joe Bird e outros, direcionar o foco para apenas um personagem acaba colocando todos os demais como peças secundárias, e isso acaba soando contraditório com a ideia central do filme. Mas nada que estrague a experiência realística e macabra que se manifesta após os eventos de um aperto de mão.


O grande mérito dos irmãos Philippou é defender e respeitar a ideia do filme, desenvolvê-la com baixo orçamento e segui-la até o final, criando um novo ponto de vista para um gênero já bem batido, que se apoia em dores, luto e solidão para construir sua história. O processo criativo de Fale Comigo é algo louvável e promissor. Imagine um dos primeiros filmes de M. Night Shyamalan, como O Sexto Sentido, despojado de todo o otimismo vago do diretor e da crença no acaso, e você está começando a entender o clima sombrio de Fale Comigo.


Um elenco jovem e habilidoso, aliado a uma direção envolvente e apaixonada, resulta em um filme de terror imperdível para os entusiastas do gênero. Fale Comigo, com certeza, será aquele filme do ano que irá gerar inúmeros debates sobre inovações, processos criativos; é aquele que muitos vão amar e outros irão odiar. Talvez um dos grandes vilões do filme seja o hype criado com o marketing, isso pode atrapalhar a experiência, pois gera aquela enorme expectativa em cima da obra. A fotografia e o uso certeiro da trilha sonora são outros dois fatores que ajudam a impactar essa obra acelerada do terror. Muitas das vezes, as respostas que você busca para compreender eventos e traumas do passado podem gerar duvidas e conflitos sobre o que é real e fictício.


É notável que a solidez da trama de Fale Comigo seja característica de diretores novatos em seu primeiro filme, expressando seu profundo apreço pelo cinema do gênero por meio de referências evidentes a filmes como Hereditário (2018), a obra cult de Ari Aster, que ambos demonstraram admirar profundamente em várias ocasiões. Teremos uma potencial franquia de terror (após os próprios youtubers anunciarem uma continuação) sob os cuidados da renomada marca A24, uma das empresas envolvidas em sua distribuição global.


Fale Comigo explora o terror de uma maneira eficiente, inteligente e humorística, elencando profundos debates sobre os riscos das redes sociais e a importância da saúde metal.

 

Fale Comigo

Talk To Me


Ano: 2022

País: Austrália

Direção: Danny Philippou e Michael Philippou

Roteiro: Bill Hinzman, Danny Philippou

Elenco: Sophie Wilde, Miranda Otto, Joe Bird, Alexandra Jensen


 

NOTA DO CRÍTICO: 7,5

 

Onde Assistir:

O filme ainda não está disponível em nenhuma plataforma de streaming.

 

Trailer:












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