Especial Legião Urbana 'As Quatro Estações' 1989: "Parece cocaína, mas é só tristeza"
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Especial Legião Urbana 'As Quatro Estações' 1989: "Parece cocaína, mas é só tristeza"

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1989, um dos momentos mais marcantes e surpreendentes do século 20. Literalmente o mundo passava por uma enorme onda de mudanças, em nota os países socialistas. Ano também do lançamento do quarto álbum de estúdio da Legião Urbana, 'As Quatro Estações', considerado por muitos, o melhor momento do grupo brasiliense. A banda agora, era um trio: Renato, Bonfá e Dado, voltaram com canções abordando Camões, citações budistas, esperanças juvenis e algumas certezas adultas.


A banda abraçava novamente a sonoridade melancólica, com um certo ar nostálgico, trazendo uma atmosfera agridoce e poética. A sonoridade, as letras, o conjunto em si...A legião Urbana passeava pelo solo da perfeição, caracterizando detalhes minunciosamente importantes para época. Apenas um ano após o período da censura no Brasil, Renato e cia abriam o disco com uma frase de peso na emblemática e bonita "Há Tempos", "Parece cocaína, mas é só tristeza". Os dissabores da vida muito bem diluídos e imortalizados nas letras atemporais de Renato. Além disso, o trabalho apontou revelações, surpresas e explorou a sexualidade do seu líder. Em "Meninos e Meninas", Renato se declara oficialmente bissexual cantando versos como: "Eu gosto de meninos e meninas". Imediatamente, 'As Quatro Estações' definiu e marcou uma época memorável, tanto no contexto histórico do Brasil como para o rock nacional brasileiro, quebrando tabus e preconceitos que nunca deixaram de existir.


Entretanto, do outro lado do mundo, as atenções eram voltadas para o Leste Europeu. A Guerra Fria chegava ao seu final e com isso a queda do Muro de Berlim. Enquanto isso, aqui no Brasil a economia seguia estancada, fechada com reservas de mercados e proibições de importações. A Legião Urbana concebia 'As Quatro Estações' mediante a um clima dividido entre as decepções com o governo Sarney e a esperança de dias melhores. "Sonhos vem. Sonhos vão/O resto é imperfeito."




Nesse contexto político, e de mudanças, o quarto disco dos brasilienses aterrissava nas lojas exatamente faltando apenas três semanas para o primeiro turno das eleições presidenciais, era 26 de outubro de 1989. Não demorou muito para o álbum cair no gosto geral dos fãs e críticos, o sucesso instantâneo atestou a competência e o crescimento do rock nacional, com a Legião aumentando significativamente sua tropa de fãs e admiradores. Iniciava ali, um período que ficou conhecido como a segunda geração do rock brasileiro. Bandas como Legião Urbana, Titãs, Barão Vermelho e Paralamas do Sucesso incorporavam o que foi chamado de pioneiros do rock nacional. Podendo-se dizer um período de ouro para o rock no Brasil. Cabe também aqui neste momento, elencar que o Brasil perdia o ilustre e saudoso Raul Seixas, aos 44 anos, no dia 21 de agosto desse mesmo ano. Raul com mais de 26 anos de carreira foi um verdadeiro prolifero, gravou mais de 30 discos e eternizou clássicos do rock nacional que até hoje continuam atuais e impactantes. Não foi à toa, que o "maluco beleza" foi imortalizado como "pai do rock brasileiro”.


Portanto, mundialmente, o rock começava a perder espaço para o pop que soava bem mais mercadológico. Madonna invadia o mundo com suas coreografias icônicas e agitadas, estourou com o disco 'Like a Prayer' que chegou a vender mais de 15 milhões de cópias no mundo. Mas, um grupo da Califórnia Guns N' Roses se manteve firme o quanto pode com seu hard rock, com canções que viraram verdadeiros hinos do rock como: "Paradise City" e "Sweet Child O' Mine". Já na Inglaterra a cena eletrônica começava a dominar o cenário musical com músicas trilhando a rebeldia juvenil. Aqui, a Legião Urbana se firmava em seu ápice criativo e se consagrava como uma banda influente do rock nacional com 'As Quatro Estações'.


"Às vezes faço planos/Às vezes quero ir/Para algum país distante e voltar a ser feliz", profetizava Renato na linda e melódica "Maurício", mais uma letra onde ele se assumia como bissexual. A canção possui uma melodia um tanto agridoce e nostálgica com teclados iniciais que dão início a uma atmosfera bucólica, firmando ainda mais o talento de Renato para compor belas letras. Por outro lado, nesse período, Renato adentrava ainda mais em uma fase penetrante em suas fobias em relação aos palcos- muito disso devido aos incidentes no show do Estádio Mané Garrincha, de Brasília, em junho do ano anterior, onde uma bomba foi lançada no palco e um fã, que teria deficiência mental, agarrou Renato pelo pescoço…a banda decidiu encerrar a apresentação, e o quebra-pau começou. Em uma entrevista na época, Dado disse: "Foi nesse cenário que materializei, pela primeira vez, que as coisas tinham mudado".


'As Quatro Estações' enfatizava um pouco disso tudo em suas letras, conflitos emocionais, e coisas da existência humana, porém, o disco possui uma leveza e serenidade magistral, como se Renato tivesse falando de coisas pesadas de maneira mais sutil e leve, sem aquela coisa perturbada e densa do Joy Division, cujo o vocalista Ian Curtis, se enforcou em casa no dia 18 de maio de 1980, aos 23 anos. Essa homogeneidade é sentida nas 11 canções do álbum, onde a agressividade sonora deu lugar a uma atmosfera sofisticada e cativante. "Feedback Song For A Drying Friend" terceira faixa do disco, uma canção enigmática onde Renato faz uma linda homenagem ao fotógrafo gay americano Robert Mapplethorpe, que morreria de aids em 1989 e ao compositor Cazuza, que havia declarado ser portador do vírus. Inicialmente a canção era em português e se chamava Rapazes Católicos, porém, foi alterada pela banda para versão em inglês. Da ideia original o grupo apenas utilizou a base instrumental árabe mesclada com o rock.


"País e Filhos" é uma das canções mais bonitas da Legião Urbana, com uma letra poética e verdadeira que acabou sendo imortalizada pelos versos serenos e tão necessários hoje em dia: "É preciso amar as pessoas/Como se não houvesse amanhã". Com acordes suaves e uma melodia agridoce, a faixa vai caminhando por um fluxo contagiante. A voz de Renato sintetiza muito bem os versos da letra. Um blues marcante do início ao fim. Já na nervosa e enérgica "1965" ou se preferir Duas Tribos, tece uma crítica ao período da Ditadura Militar, que cabe muito bem em nossa atualidade, com sua letra que diz muito sobre o nosso atual cenário político e socioeconômico. Renato rasga os versos: "É o bem contra o mal/E você de que lado está?" bem oportuna para as eleições presidenciais de 2022. A Letra segue ironizando: "O Brasil é o país do futuro…”


O disco também visita o Folk, com a eclética e profética "Monte Castelo", onde Renato agrega perfeitamente trechos da Primeira Epístola de São Paulo aos Corintos ("Ainda que eu falasse a língua dos homens/E falasse a língua dos anjos/Sem amor eu nada seria") e do emblemático e clássico poema 'Os Lusíadas', de Camões ("O amor é fogo que arde sem se ver/É ferida que dói e não se sente..."). "Sete Cidades" com sua melodia envolvente, ganchos de guitarras estelares e sons de gaita cresce em um pop cativante que deságua em um rock romântico de grande sentimento. Aqui, Renato lamenta a ausência de um grande amor na linda letra que diz: "Meu coração é tão tosco e tão pobre/Não sabe ainda os caminhos do mundo."


O Resultado da união dessas canções edificantes é uma força sedutora e poética. Um dos álbuns que mais potencializou o significado da Legião Urbana, o que eles foram e continuam sendo no rock brasileiro. Um disco que diz muito sobre a vida e seus degraus. Mas tudo pode se tornar mais fácil "quando se aprende amar, o mundo passa a ser seu".

 

As Quatro Estações

Legião Urbana


Lançamento: 26 de outubro de 1989

Gênero: Rock, Pop, Indie Rock

Ouça: "Há Tempos", "País e Filhos" e "Sete Cidades"

Humor: Melancólico, Empolgante e Confiante


 

NOTA DO CRÍTICO: 9,0

 

SPOTIFY:


 

OUÇA "PAIS E FILHOS" ABAIXO:


 

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