Especial Legião Urbana parte 3, 'Que País É Este' 1987: "Como é que você se sente?"
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Especial Legião Urbana parte 3, 'Que País É Este' 1987: "Como é que você se sente?"

Atualizado: 7 de dez. de 2022

O sentimento que fica é o mesmo de 1987, "Pra onde a gente vai fugir?"



Enfim, chegamos ao ano de 1987, e com isso a banda brasiliense Legião Urbana que já vinha com dois ótimos álbuns no currículo, chega ao seu terceiro e celebrado álbum de estúdio intitulado 'Que País É Este', um trabalho que representa um contexto histórico e cultural urgente e de suma importância para cena do rock nacional. Um disco que capturou de maneira sagaz e impactante o sentimento de milhões de brasileiros, principalmente a juventude da época. Suas nove canções simbolizam poeticamente a solidão, rebeldia, melancolia e descasos políticos que reinavam no período.


Se 'Dois' foi um álbum melódico e sereno, 'Que País É Este' resgatou o espírito agressivo do punk para externar o desencanto com o momento que o país atravessava. Por sinal, esse é o disco da Legião que melhor se encaixa em nosso atual cenário. Vale até mesmo, parafrasear Renato e dizer: "para onde a gente vai fugir?" Inclusive, poucos álbuns no rock brasileiro chegaram perto do tremendo sucesso de 'Que País É Este', para se ter uma noção da magnitude do terceiro trabalho do grupo, em 2010, 23 anos após seu lançamento, foi eleito o melhor álbum de rock brasileiro da década de 80, em uma pesquisa realizada pela revista Veja, seguido pelos discos 'Cabeça Dinossauro' dos Titãs e 'Nós Vamos Invadir Sua Praia' do Ultraje a Rigor.



O disco leva o nome de uma canção intemporal e profética escrita por Renato em 1978, ainda nos tempos do Aborto Elétrico, e capturou perfeitamente o clima hostil do tempo, ou como a juventude o compreendia na época. Praticamente todas as faixas do álbum foram compostas neste período do Aborto, salvo "Angra dos Reis" e "Mais do Mesmo" que foram gravadas depois do lançamento de 'Dois'. Este também foi o último trabalho com o baixista Renato Rocha (Negrete).


O terceiro disco do grupo não enfatizava apenas os problemas e conflitos dos jovens, o próprio Brasil, após uma falsa esperança com o plano Cruzado, concebido pelo então ministro da Fazenda, Dilson Funaro, mergulhava novamente nas sombras das inquietações econômicas. A coisa ia de mal a pior, tanto que no final de 87, a inflação anual bateu inacreditavelmente 366%. Insatisfação, pessimismo, parece que nada havia mudado após duas décadas de Ditadura Militar. Toda essa revolta e descontentamento foi bem mais intenso entre os jovens, os chamados "filhos da ditadura"- ou como caracterizou Renato em uma canção do álbum de estreia, "a geração Coca-Cola". Perdidos em um cenário sem perspectivas a juventude buscava alívio nas drogas e na rebeldia, às vezes, até mesmo em conflitos com policiais.


'Que País É Este' conseguiu traduzir toda essa angústia, revolta e o mal-estar causado por uma incerteza no futuro, que teve um impacto imenso na vida de vários jovens brasileiros. Renato e cia contextualizaram isso tudo em uma atmosfera punk agressiva mais sem perder a melancolia e o lirismo dos discos anteriores. O álbum foi lançado no final de 1987, e vendeu mais de 1 milhão de cópias na época sendo premiado com Disco de Diamante pela Associação Brasileira dos Produtores de Discos (ABPD). A canção de maior impacto e cunho político com certeza foi a faixa-título que se tornou um verdadeiro hino de revolução e protestos dos jovens que a cantavam em manifestações e continua tão atual sobre o Brasil do século XXI. Com seus versos assombrosos e perturbadores se tornou um marco da classe trabalhadora. "Nas favelas, no senado/Sujeira pra todo lado/Ninguém respeita a constituição/Mas todos acreditam no futuro da nação/Que país é esse?"



Portanto, não era apenas Renato e a Legião que compartilhavam essa indignação. No mesmo ano de 87, outro jovem músico com uma habilidade impressionante de composição, vocalista da banda de rock Barão Vermelho, Cazuza, rasgava verbos e versos de rancor e inconformismo sobre a sociedade brasileira com canções como "Ideologia" e "Brasil" que se tornaram verdadeiros hinos da hipocrisia e injustiças da sociedade brasileira. "Brasil" de Cazuza, chegou até mesmo ser tema de abertura da novela Vale-Tudo, da TV Globo. Renato e Cazuza nasceram na mesma cidade, sob o mesmo signo (Áires) e seguiram trajetórias semelhantes como temperamentos atormentados, frustrações e ações autodestrutivas com um comportamento provocador e um destino trágico. Ambos homossexuais e usuários de drogas, ambos contraíram Aids. Cazuza faleceu em 1990, aos 32 anos. Renato faleceria seis anos depois. Aos 36 anos.


Renato, também nesse período oscilava em seu temperamento difícil que ia do 0 a 80 rapidamente. O peso da fama e do sucesso havia chegado a Legião Urbana. E isso quase resultou no fim da banda. Renato disse em entrevistas na época: "A gente ganhou tudo, mas não tinha estrutura para segurar". 'Que País É Este' tinha tudo para dar errado, e acabou sendo um dos maiores sucessos do grupo, com nove canções, e apenas duas sendo compostas após o lançamento de 'Dois', a melancólica e bonita "Angra dos Reis", uma balada que fala sobre a usina atômica da cidade fluminense em uma atmosfera pós-apocalíptica. "Quando as estrelas /Começarem a cair/Me diz pra onde a gente vai fugir?" "Mais do Mesmo" deságua em um rock energizado e ligeiro que parece caracterizar o comportamento rebelde da juventude da época.


A faixa mais icônica do disco talvez possa ser "Faroeste Caboclo" onde o processo criativo de composição de Renato pode ser comparado com o lendário Bob Dylan, um verdadeiro contador de histórias, a letra da canção com mais de nove minutos não repete um verso, e foi a primeira faixa com mais de cinco minutos a tocar nas rádios no Brasil. Um verdadeiro roteiro cinematográfico que virou filme em 2013 pelas mãos do diretor René Sampaio. Melancolia, nostalgia e sentimentos introspectivos ganham virtudes através de uma melodia densa e bonita muito bem caracterizada na aclamada "Eu Sei". "Sexo verbal não faz meu estilo...", canta Renato, enquanto "Conexão Amazônica" chega com um rock denso e pesado falando sobre a solidão e o uso frequente de drogas. "Tédio" chega com riffs pontiagudos de guitarras e uma letra ácida sobre a rotina apática e indolente da juventude da época. "Química" por sua vez tem uma pegada punk rock e se torna um verdadeiro manifesto contra o vestibular, essa por sua vez chegou a ser gravada pela banda Paralamas do Sucesso em 1983 em 'Cinema Mudo', seu disco de estreia.


'Que País É Este' apesar de toda controvérsia envolvendo sua produção, um disco praticamente sem unidade alguma, com um repertório de músicas ainda da época do Aborto Elétrico, chega a ser irônico ter se tornando um sucesso instantâneo, e um dos maiores da Legião Urbana. Em meses o álbum já chegava em torno de milhão de cópias vendidas. Um trabalho que caracterizou muito bem a atmosfera hostil de uma época e permanece muito atual em relação a nossa modernidade. Um disco que abriu portas para um novo processo criativo de composições que resultaria no que muitos consideram o melhor momento da banda, 'As Quatro Estações' de 1989.

 

Que País É Este

Legião Urbana


Lançamento: 1987

Gênero: Rock, Punk, Pop

Ouça: "Que País É Este", "Faroeste Caboclo" e "Angra dos Reis"

Humor: Intenso, agressivo, empolgante

 

NOTA DO CRÍTICO: 8,0

 

OUÇA NO SPOTIFY:


 

OUÇA "QUE PAÍS É ESTE" ABAIXO


 






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