Entre na estranha e ótima The House
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Entre na estranha e ótima The House



Com a vasta oferta dos mais variados títulos que invade as plataformas de streaming em todas as semanas, é comum que uma produção ousada, criativa e fora do convencional acabe passando despercebida por grande parcela do público ou mesmo se limitando a figurar como certa referência no nicho cult, sem expressiva atenção.


A incrível The House, que estreou recentemente (janeiro deste ano) no catálogo da Netflix, é um exemplo que talvez pode muito bem ilustrar o exposto do parágrafo acima. Trata-se de uma grata surpresa britânica que justifica uma cuidadosa apreciação à sua pouco mais de uma hora e meia de exibição.


A utilização da técnica stop motion na animação já consiste num elemento um tanto chamativo, considerando o fator nostálgico que tanto atrai admiradores e também o interesse despertado nos mais curiosos e dispostos a explorar a fascinação que tal recurso exerce.


The House se divide em três histórias que são ambientadas no referido imóvel do título em tempos diferentes. Cada uma, em seu contexto e caracterização de personagens, traz à tona, de maneira interessante, certas questões um tanto pertinentes com relação à sociedade e à própria existência. Não se deixe enganar pela descrição preguiçosa (mais uma, entre tantas, diga-se) da Netflix, que apresenta o título como “comédia”. As tramas aqui não têm a mínima intenção de provocar gargalhadas e estão mais para alimentar debates reflexivos sobre aspectos que permeiam a vida do que meramente alimentar sessões hilárias fadadas ao rápido esquecimento. O desenvolvimento das narrativas, a construção do roteiro e as imagens (excelente uso das cores, idealização dos cenários) apresentadas na tela poderão agradar – e muito - àqueles que estão mais familiarizados com o universo artístico de criadores como Tim Burton e Neil Gaiman.


Surpreendente animação em stop motion é uma das melhores atrações do streaming nos últimos tempos e merece muito ser conferida.

A história que abre a animação se passa em uma época distante que remete ao século 19 e mostra uma família de poucas posses que tem uma inesperada oportunidade de habitar uma residência capaz de impressionar os parentes esnobes e elitistas. Os personagens, o casal e as duas filhas pequenas (sendo uma delas ainda bebê de colo), são como bonecos feitos de tecido e o andamento do conto apresenta elementos que lembram um pouco o clássico Coraline. A ambição exacerbada e o desejo desmedido do ser humano, aqui representados na figura dos pais, vão de encontro a situações que proporcionam uma imersão sombria num percurso destrutivo sem volta, em que as supostas conquistas cegam o adulto inebriado pelo prazer ostensivo e o perigo que envolve tudo isso é apenas perceptível ao olhar puro e imaculado da criança. A menina maior, que acaba se tornando protetora da pequena irmãzinha, consegue enxergar para onde aquilo está indo, sendo que os pais já estão devorados pela sua obsessão com o recinto dos sonhos.


A seguir, temos um profissional ligado ao ramo imobiliário que se vê pressionado a obter sucesso nas negociações envolvendo a casa sob sua responsabilidade. Esta segunda história se passa num tempo presente, em que os habitantes dominadores do espaço retratado são roedores. O espectador se depara então com a figura de um rato protagonista vivenciando as agruras que são impostas pelos desígnios e imposições de uma implacável sociedade de consumo que não perdoa o fracasso de quem é condicionado a entrar nesse jogo em que o êxito material é o único parâmetro de julgamento e avaliação. É interessante destacar a aparição de um casal de ratos interessado no imóvel. Criaturas bizarras, estranhas, nada simpáticas, um tanto enigmáticas e, de certo modo, até assustadoras. Mais uma vez quem está assistindo perceberá as armadilhas que são colocadas no cotidiano da vida urbana moderna e a imperiosa necessidade de adequação a um mundo que cobra posturas que nem sempre se pautam pela legitimidade e verdadeira essência.

E, veja que interessante, o conto final já se passa com personagens felinos que, na vida real, são os algozes diretos daqueles presentes na narrativa anterior. Na história que fecha esta intrigante The House, acompanhamos uma gata que é a proprietária da casa e a relação com seus inquilinos, com os quais também há um vínculo de amizade. O tempo aqui é futuro, em que se nota as possíveis consequências dos trágicos efeitos climáticos, dos descasos ambientais e das irresponsabilidades diversas para com o nosso planeta.


No trágico e desesperador cenário em que a residência e os personagens estão inseridos, há ainda circunstâncias que refletem o apego quase incondicional ao bem material, a dúvida quanto às escolhas entre decisões racionais e afetivas, a persistente manutenção do direito de propriedade, a dificuldade em deixar para trás algo que está prejudicando e ameaçando a própria vida. Esta pode ser considerada a mais “leve” das histórias de The House, porém não menos intrigante, afinal também leva a vários questionamentos sobre nossa existência e convivência, seja com os pares ou com a natureza ao nosso redor. O diferencial aqui, com o desfecho, é a possibilidade de vislumbrar, enfim, apesar de tudo, algum resquício de esperança.


Não dá para deixar de destacar as vozes dos personagens que são feitas pelas atrizes Helena Bonham Carter e Miranda Richardson, e pelo cantor Jarvis Cocker, ele mesmo, o eterno frontman da cultuada banda britpop Pulp.


Se você já tem muitos títulos na sua lista de filmes e séries que são prioritários e que terão que obedecer à ordem da sua fila particular, não se preocupe. Adicione The House e assista assim que puder, afinal a produção é original da Netflix, portanto não há risco de sair do catálogo da plataforma. Mas não demore a adentrar, pois as portas estão abertas e a experiência que lhe aguarda poderá te surpreender.

 

Ficha Técnica:

Título Original: The House

Duração: 97 min

Ano de Produção: 2021

Estreia: 14 de janeiro de 2022

Distribuidora: Netflix

Dirigido por: Paloma Baeza, Emma De Swaef, Niki Lindroth von Bahr, Marc James Roels

Classificação: 12 anos

Gênero: Drama, Animação, Humor Negro

País de Origem: EUA, Reino Unido

Elenco: Mia Goth, Jarvis Cocker, Susan Wokoma, Helena Bonham Carter, Matthew Goode, Claudie Blakley, Sven Wollter

Avaliações: Rotten Tomatoes/IMDB

Nota: 10


 
 

Veja o trailer abaixo:



 

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