Marcello Almeida
- 30 de set. de 2022
- 3 min de leitura

Em 'Doggerel' os Pixies traçam um caminho maduro pela era de ouro do rock alternativo

O bom e velho Pixies reacende a chama do rock alternativo com faixas guiadas por ótimas guitarras

Veteranos do rock alternativo, os Pixies podem ser como o vinho, quanto mais velho melhor. A banda liderada por Black Francis, lançou hoje (30 de setembro) seu oitavo disco-quarto desde a reunião. 'Doggerel' chega ancorado por doze faixas muito bem executadas e repletas daquelas guitarras ganchosas que definiram o som da banda.

Os primeiros registros após a reunião mantiveram camadas refrescantes, discos como 'Indie Cindy' de 2014 e 'Head Carrier' de 2016, chegaram com a fórmula básica de uma banda alternativa. Já 'Beneath The Eyrie' de 2019, trouxe toques orquestrais e camadas de pop grunge obscuro para o som da banda.

Portanto, em 'Doggerel' temos um Pixies caminhando seguramente pela era de ouro do rock alternativo com experiência envelhecida em carvalho, mas espumante, rico e divertido. A banda elimina o mofo e acrescenta sensações brilhantes, um Francis maduro que soube colher os frutos que a vida proporcionou. Nesse novo trabalho, é como se eles se sentissem mais a vontade após a reunião, adicionando uma confiança que lhes permitiu fazer alguns truques sofisticados que dão um charme nostálgico para o álbum, como a batida espacial de surf-punk da faixa de abertura “Nomatterday”.

O bom e velho Pixies reacende a chama do rock alternativo com faixas guiadas por ótimas guitarras

A mudança de sonoridade é o salto pulsante nesse novo trabalho divertido e repleto de nuances convidativas como é o caso da faixa “Dregs Of The Wine”, onde o grupo combina vozes de conversas com riffs de guitarras no estilo The Who e um solo saboroso de Joey Santiago. Apesar das mudanças de integrantes, os elementos centrais da magia dos Pixies permanecem intactos e inalterados. Joey Santiago continua torcendo lamentos, rugidos e golpes precisos em sua guitarra como um gato selvagem do deserto encurralado. Paz Lenchantin respeitosamente honra a marca de linha de baixo e backing vocal inexpressivo de Kim Deal.

David Lovering ainda soa como se estivesse tocando sua bateria em alguma masmorra euforicamente. Grande parte dessa evolução, então, deve-se à mudança de composições de Black Francis. Mais voltado para rosnar do que a uivar hoje em dia (embora sua fera vocal se liberte em 'Dregs Of The Wine'), seu cálice de amadurecimento o faz soar como um ancião de culto, cantando e rosnando contos de perda em uma roda de amigos ao redor da fogueira. Músicas atemporais enraizadas em melodias folclóricas e rock'n'roll.

“Haunted House” pode muito bem ser a obra-prima de 'Doggerel' e até mesmo uma irmã de “Here Comes Your Man”. Embora seja inevitável fazer comparações com discos anteriores da banda 'Doggerel' está mais para um retorno pós 'Beneath The Eyrie' do que um regresso aos discos dos anos 80 e 90.

“The Lord Has Come Back Today”, e “There's A Moon On”, incorporam camadas roqueiras de um roadhouse encardido que encontra melodias agridoces, reconfortantes e agradáveis. O novo trabalho ultrapassa os limites de que um álbum do Pixies pode ser, mas não de forma agressiva — muito pelo contrário, na verdade, ainda soa espirituoso e alegre de ouvir essa reinvenção da banda.

A melódica "Pagan Man" que teve a letra escrita por Joey, se aproxima da sonoridade dos Beatles, um lamento de olhos brilhantes pelos antigos ideais de adoração da natureza, a faixa ganha assobios que se encaixam perfeitamente nas camadas agridoces da canção. "Get Simulated" chega como uma doce fatia de fuzz rock sintético que soa como se os Pixies tivessem se tornado a primeira banda a clonar com sucesso o som do Weezer, a canção se destaca por seu tom futurista.

Francis assume o papel de uma consciência carregada considerando os dilemas da 'vida' na esfera digital; imortal, mas destinado para sempre a ansiar por contato físico. A música pode mover-se como uma espécie de alívio para aqueles que podem ficar desapontados com o fato de os Pixies dos últimos dias terem perdido um pouco da excentricidade e do conceito de sua juventude. ‘Doggerel’ mergulha nas camadas de um folk rock, surf pop e um suntuoso indie noir. Porém, soa envolvente quanto os primeiros discos, é mais uma prova de que a música dos Pixies continua sendo o padrão-ouro do rock alternativo.