As outras vozes do Blues: sete lendas que você precisa sentir
- Marcello Almeida
- 23 de jun.
- 4 min de leitura
O Blues não é estilo. É cicatriz que canta

O Blues tem mais becos do que avenidas. E são nos becos que a mágica acontece. Vozes que não cabem nas vitrines, dedos que tocaram as entranhas do mundo e não ganharam estátuas por isso. Mas estão lá. Vivendo nas entrelinhas dos solos que vieram depois. Cada uma dessas sete figuras é um terremoto disfarçado. Gente que soprou fumaça nos pulmões da história, que transformou dor em arte sem pedir aplauso. São essenciais porque dizem tudo que o blues é: resistência, entrega, combustão. Chegue mais perto. Aqui, o Blues ainda late.
1. Skip James – O fantasma que sussurra no escuro

Skip James soa como se viesse de outro plano. Sua voz aguda, quase etérea, parece conversar com os mortos. Mas sua música está viva como um soco. Seus dedos no violão criam texturas que mais parecem assombração do que acompanhamento. Ouví-lo é como entrar numa casa abandonada e descobrir que tem gente chorando lá dentro.
Faixas como “Devil Got My Woman” ou “Hard Time Killing Floor Blues” carregam uma tristeza ancestral, irreproduzível. Não é tristeza de novela: é luto, é fome, é fim de mundo. James não gritava. Ele doía.
2. Sister Rosetta Tharpe – A mãe sagrada do rock e do groove

Antes de Chuck, antes de Elvis, antes de qualquer roqueiro esfregar a guitarra com tesão — havia ela. Sister Rosetta Tharpe: uma mulher negra, evangélica, com a Bíblia numa mão e uma guitarra elétrica na outra. Sua fé era febre, sua música era terremoto com brilho gospel. Tocava como quem enfrenta o diabo e sorri na cara dele.
Em performances como “Up Above My Head” ou “Strange Things Happening Every Day”, Rosetta mostrava que o sagrado e o profano podem morar no mesmo acorde. Ela abriu caminho à força — e fez isso usando salto alto e um sorriso que cortava aço.
3. Blind Willie Johnson – O evangelho da dor em slide

Cego desde criança, Willie Johnson não enxergava o mundo — mas conseguia ver a alma dele. Seu slide guitar soa como prece e castigo ao mesmo tempo. A voz, rasgada, parece ter sido lixada com pecado e fé. O blues de Johnson era gospel, mas não era leve: era carne viva, penitência, eternidade.
“Dark Was the Night, Cold Was the Ground” é, talvez, uma das músicas mais solitárias já registradas. Está no espaço, literalmente — enviada na Voyager como retrato da humanidade. E talvez seja isso mesmo: uma canção que chora por todos nós.
4. Big Mama Thornton – A dona da fúria

Antes de Elvis tornar “Hound Dog” um hino, Big Mama Thornton já estava botando fogo no palco com sua versão suada, poderosa, incontrolável. Era mais que cantora: era um trovão em forma de mulher. Sua presença era bruta, feroz, inegociável. E mesmo assim, foi apagada, esquecida, empurrada para as sombras do “cover branco”.
Mas Big Mama não precisava de piedade — ela tinha voz para derrubar prédio. Em músicas como “Ball and Chain” (que Janis Joplin reverenciou), ela entregava o blues em estado bruto: amor, raiva, abandono, tudo de uma vez só. Ela era tudo o que disseram que uma mulher não podia ser — e por isso mesmo, era maior.
5. Otis Rush – A dor em câmera lenta

Otis Rush tocava como quem arrasta o próprio coração pela estrada. Cada nota soava como lágrima estendida. Era o mestre do blues de Chicago mais introspectivo, mais melódico, mais cheio de dor que demora a cicatrizar. Canhoto, com estilo invertido, dava um sabor inconfundível ao seu som.
Em “I Can’t Quit You Baby” ou “Double Trouble”, Otis mostrava que o sofrimento pode ser elegante. Não precisava gritar. Sua guitarra falava com voz baixa, mas doía muito mais do que os gritos. Era como ver alguém desmoronar em câmera lenta — e não conseguir desviar os olhos.
6. Junior Kimbrough – O transe do blues maldito

Junior Kimbrough não é blues de bar. É blues de ritual. Suas músicas são longas, repetitivas, hipnóticas. Soam como se tivessem sido gravadas no porão de algum feitiço sulista, onde ninguém escapa inteiro. Ele era o xamã dos sons do Mississippi Hill Country — mais sujo, mais primitivo, mais groove que forma.
Músicas como “Meet Me in the City” e “You Better Run” parecem eternas. Não terminam — apenas deslizam pro escuro. O que Junior fazia era possessão. Quem ouve, entra em transe. Quem entende, nunca mais ouve blues do mesmo jeito.
7. Elizabeth Cotten – A mulher que tocava ao contrário

Elizabeth Cotten inventou sua própria linguagem. Canhota autodidata, aprendeu violão de cabeça pra baixo, e assim criou um estilo único — o Cotten Picking. Sua música era suave como tarde de verão, mas carregava décadas de invisibilidade e força. Escreveu “Freight Train” aos 11 anos. Depois, ficou décadas sem tocar. Foi redescoberta aos 60.
Seu jeito de tocar é doce, mas não simplista. Há uma firmeza no dedilhar que só quem já viveu a marginalização entende. Cotten não tocava para impressionar. Tocava porque precisava. Porque havia beleza demais dentro dela pra ser ignorada.
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