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Zona de Interesse expõe, de forma perturbadora, os véus da indiferença diante da banalidade e normalidade do mal em Auschwitz

O filme é uma visão inquietante de como a maldade pode ser facilmente normalizada.

Filme Zona de Interesse do diretor Jonathan Blazer
Crédito: A24


Muito improvável você assistir a um filme este ano que vai te aterrorizar, te deixar inquieto e perturbado logo nos primeiros instantes, como Zona de Interesse do cineasta Jonathan Glazer. O longa é baseado no romance de Martin Amis e explora a vida de Rudolf Höss (Christian Friedel), o comandante de Auschwitz, e sua família, vivendo ao lado do campo de concentração, para não dizer de extermínio e maldade.


Glazer não está interessado em mostrar as atrocidades nazistas em cenas explícitas e tal; o medo e o terror surgem da normalidade do mal que nos fazem enxergar monstros como pessoas normais, e isso é muito indigesto de ver e aceitar. É como se o filme fosse uma visão perturbadora de como a maldade pode ser facilmente normalizada. O longa não apenas narra eventos históricos mas também convida à reflexão sobre a banalidade do mal e a complacência diante da crueldade, conforme descrito por Hannah Arendt. Zona de Interesse é tido como uma obra que reflete sobre o pensamento central de Arendt e sobre o pensamento pós-moderno, ressaltando a indiferença perante o sofrimento do outro



Durante a trama, acompanhamos a rotina normal da família de Höss com sua esposa, Edwiges, muito bem interpretada por Sandra Huller (Anatomia de Uma Queda), e seus filhos, onde a maior preocupação da família é o bem-estar, conforto; a casa é muito bonita, as crianças brincando na piscina, um jardim repleto de flores e, do outro lado do muro, morte, dor e sofrimento. Um contraste brutal e indigesto. A preocupação maior de Höss e sua esposa se concentra em situações domésticas da casa e seu posto dentro do exército nazista.



Talvez seja nesse ponto que Zona de Interesse se enquadra em um filme de terror. Vivendo ali, naquela casa, são pessoas normais, tentando dar uma boa vida para os filhos e com seus problemas domésticos banais diante do que acontece do outro lado. Eles não são caracterizados como monstros, aquelas pessoas do mal mesmo, isso é incômodo e perturbador de se ver.


O terror emerge de situações "ridículas" envolvendo a família, ridículas no ponto de que tem algo muito errado acontecendo ao lado, e eles são os responsáveis por aquilo, mas a situação é amplamente ignorada. O mal que acontece do outro lado do muro é encarado como uma rotina normal de trabalho, até mesmo em reuniões onde surgem discussões de produtos e como aquilo vai ser usado. E isso choca quem está do outro lado da tela, quando você tem o contexto e embasamento histórico do que aconteceu e sobre quem eles estão falando.



A obra evita mostrar diretamente violência ou confrontos, optando por uma narrativa que revela os horrores de Auschwitz através do som e da sugestão, destacando a facilidade com que muitos se distanciam de atrocidades que não veem diretamente. Nós, como espectadores, estamos diante de visões entrelaçadas, como o muro, as paredes do campo, uma janela, uma fumaça preta saindo da chaminé, e sabemos muito bem do que se trata: sons, gritos, barulhos de tiros que não são bem nítidos, mas que nos fazem enxergar, sem ver, o mal que está acontecendo.


O design de produção um tanto meticuloso e a poderosa fotografia de Łukasz Żal criam uma atmosfera de vigilância inquietante, capturando cada movimento dos personagens através de múltiplas câmeras escondidas, contribuindo para uma sensação de voyeurismo e eliminando qualquer traço de subjetividade. Essa estética adotada pelo filme ao lado de tomadas de câmera estáveis e distantes, coloca o espectador no papel de um observador distante, gerando uma sensação de frieza e falta de proximidade com os personagens. E isso causa aquele certo incomodo inquietante. Claro, o proposito do longa é sempre te lembrar do que está acontecendo realmente.



As atuações também são impactantes: Christian Friedel consegue primorosamente capturar a essência de seu personagem, um homem frio, calculista, cuja tranquilidade e falta de empatia são assustadoras. Já Sandra Huller está perfeita como atriz coadjuvante. Ela consegue ser mais assustadora do que o próprio marido em algumas situações; você vai entender na cena do casaco.


Zona de Interesse não se enquadra no contexto de outras obras que retratam o terror da Segunda Guerra e do Holocausto; a narrativa de Glazer é muito mais realista e brutal. Talvez seja o filme que melhor conseguiu retratar a verdadeira face do mal nazista. É aquela obra que, quando chega ao final, você simplesmente fica ali, imerso no silêncio, tentando digerir e compreender o que acabou de ver. O fato de o filme de Jonathan focar nos perpetradores e não nas vítimas traz uma relevância assustadora e perturbadora para os dias de hoje. Com certeza, é aquela obra imperdível e necessária do ano, que evidencia poderosamente a arte do cinema como meio de reflexão.


O campo nazista comandado por Rudolf Höss na Polônia foi responsável por cerca de 960.000 assassinatos de judeus. Ele morava, naquela época, com a família, num recanto de Auschwitz I, onde foram construídos uma câmara de gás e um crematório.

 

Zona de Interesse

The Zone of Interest


Ano: 2023

País: Reino Unido

Direção: Jonathan Glazer

Roteiro: Jonathan Glazer

Elenco: Sandra Huller, Christian Friedel

Duração: 1h 45 min


 

NOTA DO CRÍTICO: 10

 

Trailer:



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