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Foto do escritorMarcello Almeida

Anatomia de Uma Queda nos diz muito sobre a era das redes sociais, relações e comunicações humanas diante do sensacionalismo midiático

Justine Triet explora com complexidade as feridas e fraturas da vida com queda ou sem queda.

Cena do filme Anatomia de Uma Queda
Imagem: Reprodução


Tensão, choque, impacto e mistério rodeiam a trama multifacetada de 'Anatomia de Uma Queda', da diretora francesa Justine Triet e estrelado pela ótima Sandra Hüller. O longa logo chama a atenção por sua fotografia e pelo bom uso das cores, que ajudam a intensificar ainda mais a potencialidade do suspense e mistério apontado pelo ótimo roteiro, escrito por Triet e Arthur Harari. Eles conduzem o telespectador por uma jornada fria, para não dizer gelada ao extremo, por um drama repleto de incertezas e dúvidas incômodas, que sabem como abraçar a ambiguidade e esconder o 'x' da questão, causando aquele sentimento de inquietude e aflição em quem está do outro lado da tela.


A trama segue Sandra (Hüller) uma escritora alemã, e seu marido francês, Samuel. Eles vivem com seu filho de 11 anos, Daniel, em uma pequena e isolada cidade nos Alpes. A trama se intensifica quando Samuel é encontrado morto, levando a polícia a tratar o caso como um suposto homicídio, com Sandra se tornando a principal suspeita.



Nisso, estamos diante não apenas de uma investigação sobre as circunstâncias da morte de Samuel, mas também de uma viagem psicológica perturbadora às profundezas do relacionamento conflituoso de Sandra e Samuel. A maneira como o filme vai se desenrolando e construindo sua narrativa, sempre com o cuidado de guardar o elemento surpresa, coloca o público não apenas na função de espectador, mas também o joga para dentro da trama, fazendo-o atuar como advogado e juiz diante das possibilidades de um homicídio ou suicídio.


Hüller é a peça central do filme; ela consegue exibir e imprimir as fraturas causadas pela vida mesmo antes da queda. Suas expressões faciais dúbias aumentam ainda mais o tom de suspense e mistério, como se usassem uma gama de emoções contraditórias, trazendo uma riqueza de significados e subversões para sua personagem. Entre tribunal, crime, suicídio, maternidade e flashbacks muito bem utilizados, Justine traça seu olhar vivo e sagaz sobre o sensacionalismo midiático explorador, usando a figura da mãe, esposa e mulher para explorar seu comportamento em relação ao marido, seus conflitos e brigas, e um sentimento genuíno de melancolia após sua morte.


'Anatomia de Uma Queda' vai muito além de tribunais, crime, morte e mistério. Suas lacunas são muito bem preenchidas por um roteiro inteligente e diálogos precisos – preste muita atenção neles. A fotografia e a edição contribuem para criar uma trama instigante que se transforma em uma verdadeira odisseia sobre crime e castigo, explorando profundamente a metacrítica do comportamento humano.


Você já deve ter percebido que mencionei a fotografia duas vezes no decorrer do texto, evidenciando seu papel de suma importância. A câmera de Simon Beaufils atua como um olho nu, algo como se fosse o olhar do próprio telespectador, capturando detalhes minuciosos e valiosos para a trama. O reflexo disso é que você vai ficar cada vez mais vidrado e preso na história.



Em um mundo pós-verdade, que está sempre em busca da verdade e da justiça, o longa abre espaço para reflexões sobre esses conceitos, destacando como podem ser ambíguos e subjetivos. Estamos diante de uma realidade onde os fatos e informações frequentemente acabam sendo distorcidos ou manipulados. Este é outro questionamento abordado pelo filme de maneira impactante, que atinge o espectador como um soco na boca do estômago e o leva a refletir sobre a importância da perspectiva e do julgamento crítico na compreensão dos eventos.



Além disso, a visão da diretora sobre a personagem de Hüller explora a complexidade das relações humanas e a comunicação entre pessoas de diferentes culturas e línguas. Outro ponto interessante do longa é a forma como coloca em evidência os conflitos e dificuldades da protagonista em se comunicar em francês. A escolha dela de falar em inglês num tribunal francês ressalta as barreiras linguísticas e culturais que muitas vezes enfrentamos. Isso levanta uma questão: seria essa uma representação de como a globalização nos obriga a encontrar um meio termo na comunicação e no entendimento intercultural? Divagações à parte, tire suas próprias conclusões.



Preconceitos e percepções também são elementos cruciais da trama, que traça um olhar crítico sobre como ambos podem influenciar a compreensão dos fatos e das pessoas. Em uma sociedade onde as aparências frequentemente moldam a opinião pública, muitas vezes intensificada pela mídia e pelo poder de persuadir e influenciar pessoas, o filme ressoa na era das redes sociais e do jornalismo 24 horas. Esta era tanto pode jogar luz sobre a verdade quanto distorcê-la.


Alguns portais e críticos especializados compararam 'Anatomia de Uma Queda' com o clássico '12 Homens e Uma Sentença', principalmente no que diz respeito ao tratamento da verdade por Justine em seu longa. No entanto, em uma análise comparativa, percebe-se uma diferença fundamental: enquanto o filme de 1957 acredita na existência de uma verdade objetiva, 'Anatomia de Uma Queda' descarta a possibilidade de uma verdade absoluta. Isso exige do telespectador uma reflexão mais aprofundada sobre os temas e situações abordadas.


Sem sobra de dúvidas, um dos melhores filmes do ano. Tudo aqui funciona em total equilíbrio. Não é à toa que foi aclamado em festivais e concorre dentro das principais categorias do Oscar 2024, entre elas: Melhor Filme, Melhor Direção e Melhor Atriz. Além disso, o longa também foi indicado para Melhor Roteiro Original e Melhor Montagem. 'Anatomia de Uma Queda' desafia as convenções e visões sobre o cinema, com uma narrativa intrincada, performances excepcionais e uma abordagem única à cinematografia e direção. A combinação desses elementos resulta em uma experiência profundamente impactante, imersiva e reflexiva.

 

Anatomia de Uma Queda

(Anatomy Of A Fall)


Ano: 2023

Gênero: Drama

País: França

Direção: Justine Triet

Roteiro: Arthur Harari, Justine Triet

Elenco: Sandra Hüller, Samuel Theis, Milo Machado Graner

Classificação: 14 anos

Duração: 152 min


 

NOTA DO CRÍTICO: 9,0

 

Trailer:


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