Você ouve música… ou a escuta?
- Marcello Almeida
- há 14 horas
- 3 min de leitura
Há dias em que a gente só precisa de um som pra seguir respirando

Parece a mesma coisa, mas não é. Ouvir é deixar que ela passe. Escutar é deixar que ela fique. Ouvir é quando a música tá ali no carro, no fone, no bar, misturada com vozes, buzinas, talheres batendo. Escutar é outra história. É quando você para. Respira. E deixa que ela entre, inteira, ocupando espaço por dentro.
Escutar é pegar o encarte do disco, passar o dedo nas letras, imaginar o estúdio, o suor, o rascunho no guardanapo. É sentir o vinil girando e o chiado antes do primeiro acorde. É prestar atenção naquele grave que vibra no estômago. É descobrir que uma pausa de dois segundos pode dizer mais que uma frase inteira.
E a história da música tá cheia de momentos que nasceram pra serem escutados, não só ouvidos. A Day in the Life dos Beatles, por exemplo, não cabe como trilha de fundo de qualquer conversa — ela pede silêncio, pede entrega. O mesmo vale pro retorno do Oasis agora, reacendendo aquele espírito dos anos 90, o Britpop pulsando como se nunca tivesse ido embora. Basta ver a multidão nos shows, cantando Don’t Look Back in Anger como se fosse oração coletiva. Ou aquele vídeo que publicamos: um rapaz dançando ao som de Slide Away, livre e alegre como se o mundo ao redor tivesse deixado de existir. É isso que acontece quando se escuta de verdade — você se dissolve dentro da música.
Nos anos 80, o mundo conheceu o drama e a poesia de The Smiths e Joy Division. Canções que não se consomem rápido; elas ficam com você. Morrissey transformando solidão em coro, Ian Curtis tornando cada palavra um peso na alma. Do outro lado, bandas como Jesus and Mary Chain e Primal Scream jogando com o caos e a melodia, criando atmosferas que não pedem pressa.
Depois veio o grunge, início dos anos 90. Nirvana, Pearl Jam, o som que não pedia permissão. Uma guitarra que sujava o dia, um refrão que te salvava à noite. Era suor, era raiva, era verdade. Nos anos 2000, os Strokes com Is This It devolveram aquela sensação de novidade, como se alguém tivesse aberto as janelas do rock depois de uma década de ar pesado.
E antes e além disso tudo, a música tem gigantes que atravessam o tempo: Bob Dylan, com suas palavras que são poesia e protesto; o saudoso Leonard Cohen, mestre da melancolia e da voz rouca; o saudoso David Bowie, o camaleão que reinventou o som e a imagem; Black Sabbath, que moldou o peso do heavy metal; e Ozzy Osbourne, que nos deixou recentemente, mas cuja voz ainda ecoa como um grito de liberdade. Eles são prova de que escutar é mergulhar em histórias, em sentimentos que ultrapassam gerações.
Ouvir é consumo. Escutar é experiência
E é aí que o streaming bagunça um pouco as coisas. Plataformas como o Spotify colocaram o mundo inteiro no seu bolso — o que é incrível, porque imagina ter que comprar todos os discos que você quer ouvir? A facilidade é inegável. Mas existem camadas que precisam ser cuidadas: o pagamento justo aos artistas, os royalties, o valor real de cada canção. Por outro lado, ele também cria encontros inesperados — como The Sisters of Mercy tocando na segunda temporada de Wandinha, colocando uma música dos anos 80 no radar de uma geração que nunca teria entrado numa loja de discos para encontrá-la. Esse tipo de conexão é genial.
E quando você escuta de verdade, a música deixa de ser só som. Ela vira memória, vira viagem no tempo. Uma faixa te joga direto pra uma rua dos anos 80 com um walkman no bolso; outra te coloca no meio de um festival em 1994, lama até o joelho, braços erguidos.
A música é anestésico. É remédio. É lembrança. É aquele abraço que não acontece, mas que você sente mesmo assim. E quando você escuta de verdade, ela não toca só nos ouvidos. Ela encosta na pele, puxa pela memória, e, sem pedir licença, se instala no coração.

Então, da próxima vez que der play, pergunta pra si mesmo: você vai só ouvir… ou vai escutar?