Nunca tinha me envolvido com alguma série que trouxesse o ramo da advocacia. Mas digamos que Suits foi meu pontapé inicial, como pode ter sido de muitos leitores aqui do Teoria Cultural. A princípio não foi tarefa fácil, não que a série seja complicada ao extremo, porém os termos do Direito e os diálogos que envolvem os casos dos personagens por vezes necessitam de outra percepção ou releitura. Então, em muitos episódios, pode ser comum o espectador voltar alguns trechos para entender melhor os diálogos e as reviravoltas dos constantes processos que envolvem os advogados da trama.
Contudo, não é só de leis, termos, guerra entre advogados e casos ganhos/perdidos que Suits vive. Temos romances, aquela comédia sutil, a carga dramática que cerca outros problemas que surgem durante a trama envolvendo família, amigos e o caráter de alguns personagens. Tudo isso garante ao seriado uma maior dinâmica e não o torna chato apenas com fatos ligados ao Direito. Ou seja, não pense que Suits é, em sua totalidade, apenas sobre tribunais, casos, leis, processos e advogados.
Suits foca muito em seus personagens. E é fácil ter carisma por eles ao longo dos episódios. Muitos surgem em certas temporadas apenas para dar aquela pitada a mais na trama. Outros podem enganar o espectador pois pareciam não ter mais encaixe na trama, entretanto aparecem mais para a frente desencadeando uma série de eventos inesperados.
Claro que os personagens principais constituem a cereja do bolo. No caso de Mike Ross (Patrick J. Adams), observamos um crescimento gradual em sua personalidade, maturidade tanto profissional quanto pessoal. Ross é o talento em pessoa. Prodígio, memória excepcional, visão das coisas, amplo conhecimento, entra nesse ramo por uma jogada do destino e ganha uma ajudinha de Harvey Specter (Gabriel Match), que o passa a ter como sócio e uma espécie de pupilo. Por sua vez, Harvey é aquele advogado experiente, acostumado a não perder casos, considerado uma espécie de pilar para a empresa. Rígido quando precisa ser, irônico quando a situação exige, perspicaz nos últimos minutos, mas que esconde uma fragilidade e sensibilidade ímpar em muitos momentos. Jessica Pearson (Gina Torres) é a pessoa que traz o profissionalismo e a humanidade em equilíbrio, uma espécie de guru para os outros advogados.
A secretária Donna Paulsen (Sarah Rafferty) tem todo seu charme e é aquela pessoa que sempre queríamos ter ao lado, sobretudo para resolver impasses. Consegue aliviar as tensões no escritório e é quase uma terapeuta para muitos dos advogados da trama. Rachel Zane (Meghan Markle) ainda engatinha no ramo da advocacia, contudo demonstra destreza profissional e precisa se decidir entre seguir para o escritório de seu pai ou então de continuar no escritório de Harvey. Louis Litt (Rick Hoffman), em toda sua construção complexa e delicada, é o tipo de personagem do ‘ame ou odeie’. Sua psicologia mostra os cuidados da direção em criar um personagem que só vai se decifrando nas temporadas finais.
Muitos dos personagens ganham intensidade quando a série busca trazer o passado deles a tona. Com traumas, conflitos não resolvidos, brigas e relacionamentos despedaçados, é outro trunfo do seriado que traz tudo bem delineado se encaixando perfeitamente para o presente, além de garantir aquela carga emocional necessária de que somos feitos de carne e osso num mundo onde ninguém é perfeito demais, não importa a posição que se encontra em sua profissão e na sociedade.
Na verdade, Suits pretende mostrar que diploma não é tudo, sobretudo numa sociedade onde tal certificado diz muito, conquista empregos e muitas vezes define até um pseudo status de segurança e de competência para a profissão.
Este é o caso de Ross. Ele não estudou em universidade nenhuma, nunca havia pisado num escritório de advocacia, mas com um talento magnífico e com a parceria de Harvey, consegue se encaixar dentro do ramo revelando um dom nato para a profissão. Entretanto, Mike trabalha na surdina e espera não ser descoberto pela forma ilícita que conseguiu a vaga. Gradualmente e com a identidade de Mike correndo risco, surgem desconfianças, reviravoltas, choros, alegrias e aprendizados que deixam o espectador grudado até a última temporada.
Repleta de citações a outros filmes (Um Sonho de Liberdade, Homens de Honra, entre outros), Suits pode ser considerada uma própria ode ao cinema, um trabalho bem feito do criador Aaron Korsh que, usando muitas referências cinéfilas, desenvolve alguns episódios da trama e também faz disso estrutura segura para muitos dos diálogos. A trilha sonora também merece destaque. Mistura Rock, Blues e Soul trazendo artistas variados como The Black Keys, Vampire Weekend e Charles Bradley. O próprio cenário criado para a sala de Harvey é composto por vários discos de vinis reiterando a relação da música com a série.
Suits tem seus aspectos negativos. Apesar de poucos. Lá para o final, a saída de alguns personagens pode desacelerar um pouco o impacto da trama. Também pode desanimar quem não gosta de séries longas. Ela teve 9 temporadas e durou de 2011 a 2019. Foram 134 episódios rendendo aí facilmente quase 100 horas de duração. Compensa ver, sem pressa, tudo a seu tempo. Vamos associando muita coisa da trama, de como muitas vezes podemos ser como Mike Ross, de como lidamos com os colegas de profissão e como enfrentamos os percalços da vida. Isso tudo, por si só, merece méritos e encoraja o espectador.
Série: Suits (Homens de Terno)
Lançamento: 2011-2019
criado por: Aaron Korsh
Gênero: drama/comédia e crimes
Origem: USA Network (EUA)
Elenco: Gabriel Macht, Patrick J. Adams, Rick Hoffman, Meghan Markle, Sarah Rafferty, Gina Torres, Amanda Schull, Dulé Hill, Katherine Heigl.
Temporadas: 9
Episódios: 133
Onde ver: Netflix
Assista ao trailer:
Eduardo Tadeu Ferrari Salvalaio
Redator.
Um cara da área Civil mas que nos momentos de folga tem um tempo para a escrita. Fã da arte de um modo geral, acha que com ela podemos tirar um pouco os dissabores da vida. Livros, discos, filmes, jogos: um arsenal do qual não abre mão.
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