Stranger Things volta hoje e leva junto um pedaço do que fomos
- Marcello Almeida
- há 14 horas
- 3 min de leitura
Hoje à noite, às 22h, o mundo inteiro volta a ouvir o eco das bicicletas, das walkie-talkies e do medo doce que moldou uma geração

Existem séries que a gente assiste. E existem séries que mudam o jeito como olhamos para o mundo, para o tempo e até para quem fomos. Stranger Things é dessas que atravessam — atravessam infância, atravessam adolescência, atravessam a memória dos que viveram os anos 80 e os que gostariam de ter vivido. Ela mistura Spielberg com Stephen King, Goonies com Joy Division, Arcade Fire com uma nostalgia que nem sempre existiu, mas que a gente sente como se fosse nossa.
Hoje, às 22h, quando a Netflix apertar o play da quinta e última temporada, não é só o fim de uma história. É o fim de um clima. De um cheiro. De um tempo que a série inventou e que, de alguma forma, devolveu para a gente, mesmo que a gente nunca tenha morado em Hawkins. Mesmo que nunca tenha corrido para salvar um amigo do Mundo Invertido ou escrito mensagens na parede tentando conversar com alguém que sumiu.
A criançada cresceu. Os Hawks cresceram. E a gente cresceu junto. Não tem como olhar para o Mike, a Eleven, o Dustin, o Lucas, a Max, o Will, sem sentir que crescemos com eles, que acompanhamos cada dobra no rosto, cada cicatriz emocional, cada olhar que aprendeu a carregar um mundo que ninguém deveria carregar tão cedo.
E talvez seja isso que mais pega na gente: Stranger Things nunca foi só sobre monstros. Foi sobre amizade. Sobre laços improváveis. Sobre tentar entender quem somos enquanto o mundo desaba ao redor, literalmente. Foi sobre a cultura pop como ela deve ser: não um enfeite, mas um espelho. A série se ancorou nos anos 80 porque era ali que morava uma certa inocência perdida, um certo heroísmo imperfeito, uma certa coragem que não tinha manual.
E a cultura geek sempre esteve ali: nos pôsteres amassados nas paredes, nos fliperamas que engoliam fichas, nos livros de terror lidos à meia-noite, nas campanhas intermináveis de D&D que salvaram amizades e inventaram mundos. Stranger Things entendeu que cultura pop não é só referência, é sentimento. É ritual. É afeto travestido de nostalgia.
Hoje, enquanto o mundo espera a última luz piscante do alfabeto na parede, a última bicicleta cortando o vento, o último mergulho no desconhecido, a gente sente aquele aperto bom: o da despedida que dói porque valeu a pena. E porque, no fundo, a gente sabe que não está dizendo adeus a uma série. Está dizendo adeus a quem éramos quando ela começou.
No fim das contas, talvez seja isso que Stranger Things sempre quis lembrar: crescer é assustador, mas crescer juntos, mesmo quando as cidades não se tocam no mapa — é a única maneira de atravessar o próprio Mundo Invertido.
Porque existe um tipo de ligação que ignora quilômetros e horários, uma coisa que viaja leve, quase invisível, mas sempre chega. Algo como uma borboleta que decide bater as asas no lugar certo, e, de alguma forma inexplicável, faz o ar se mover lá longe, onde alguém sente.
E hoje, às 22h, quando Hawkins abrir suas portas pela última vez, talvez a gente perceba que algumas histórias só continuam porque alguém, mesmo distante, manteve o vento vivo.











