Stranger Things 4 e o espelho do mundo invertido
- Marcello Almeida
- há 22 horas
- 4 min de leitura
Atualizado: há 44 minutos
Às vezes, os monstros não vêm do mundo invertido, vêm do espelho

Este texto nasceu de uma mera curiosidade em revisitar a quarta temporada dessa turminha, agora crescida. Ele altera algumas percepções da resenha publicada em 2022, que você pode ler aqui.
“Stranger Things 4” não é apenas a continuação de uma saga. É o rito de passagem de uma geração. A série, que nasceu entre bicicletas e walkie-talkies, chega agora à idade adulta, e com ela, a consciência de que amadurecer dói mais do que enfrentar demônios interdimensionais.
A atmosfera agora é mais densa, o ar mais pesado. Os irmãos Duffer entendem que a fantasia só é real quando dialoga com a dor, e transformam Hawkins num espelho daquilo que todos nós sentimos, mas raramente dizemos. A amizade, o amor e a perda se tornam o motor de um universo que aprendeu a respirar com a gente. É por isso que Stranger Things nunca foi apenas nostalgia: ela é memória emocional, um afago disfarçado de ficção científica.
A quarta temporada representa esse limiar entre a inocência e o caos. As crianças cresceram, e o mundo, como sempre faz, cobrou sua parte. Os Duffer Brothers traduzem esse amadurecimento em linguagem cinematográfica: um terror que não é gratuito, mas simbólico, carregado de metáforas sobre trauma, isolamento, fé e redenção. O horror de Vecna é o horror interno, o peso das vozes que permanecem quando o silêncio grita.
Entre referências a A Hora do Pesadelo, It, Halloween e tantos outros fantasmas dos anos 80, a série constrói uma colcha de retalhos afetiva. O que poderia ser simples citação vira declaração de amor. Cada plano parece perguntar: “E se a infância nunca tivesse acabado?”.
Mas ela acabou, e é isso que dói.
E então vem Kate Bush...

“Running Up That Hill” explode como um grito espiritual, uma súplica por trocas impossíveis, por refúgio em meio ao colapso. Quando Max corre, ao som dessa canção, não é apenas dela que estamos falando — é de todos nós tentando escapar dos próprios abismos. Essa sequência já nasce eterna: cinema dentro da série, poesia dentro do caos. E quando a música volta às paradas quase 40 anos depois, não é marketing, é destino. É o poder de uma arte que atravessa o tempo pra dizer o óbvio: a emoção nunca envelhece.
A trilha sonora segue como alma do projeto. Metallica, Siouxsie, Talking Heads — todos encaixados com uma precisão que transcende estética: é sobre sentir. Stranger Things 4 nos faz lembrar que a música sempre foi a ponte entre o que somos e o que perdemos. Ela não está apenas no fundo da cena; ela é a cena.
E então surge Eddie Munson — o metaleiro que ninguém levava a sério, o forasteiro que carregava nas costas o estigma de ser “diferente”. Joseph Quinn faz dele mais do que um personagem: faz dele um símbolo. Eddie é o garoto que encontra na música, e no heavy metal, o refúgio contra o caos. Quando o som de Master of Puppets explode no mundo invertido, o que se vê não é apenas uma cena épica: é um manifesto sobre liberdade, sobre resistir sendo quem se é.
Mas é na sua amizade com Dustin que Eddie alcança o impossível: transformar o desajuste em ternura. Juntos, eles constroem uma das relações mais puras e emocionantes de Stranger Things, a prova de que, mesmo em meio ao medo, ainda é possível encontrar beleza na conexão humana. Eddie morre como viveu, tocando alto, acreditando em algo maior. E por isso, paradoxalmente, nunca morre de fato.

O elenco inteiro amadurece junto à série. Sadie Sink entrega intensidade e vulnerabilidade, Winona Ryder ressurge com uma luz nostálgica, enquanto Millie Bobby Brown se transforma de experimento em símbolo. O arco de Hopper é sobre resistência, o de Eleven, sobre identidade, e, no fundo, todos eles tentam entender o mesmo que nós: o que acontece quando a infância termina e o medo começa a ter nome?
Há falhas, sim. Mas Stranger Things nunca prometeu perfeição, prometeu emoção, e isso ela cumpre. O verdadeiro encanto está nessa honestidade. O público sente. A série pode até flertar com o clichê, mas o faz com alma, com entrega, com fé.
No fim, “Stranger Things 4” é sobre crescer. Sobre o que se perde no processo. Sobre aprender que o amor também dói, e que os monstros, muitas vezes, usam o nosso rosto.
E é por isso que, quando a última temporada chegar, não será apenas o fim de uma história. Será o fim de uma era.
E talvez, nesse último mergulho no mundo invertido, a gente descubra que o maior susto de todos é perceber o quanto ainda somos feitos de saudade.
A quinta temporada se aproxima como um eclipse, inevitável, silencioso, cheio de promessas e despedidas. Depois de tantos anos, Stranger Things chega ao seu ponto de colapso e consagração. Não será apenas o fim de uma série, mas o encerramento de um tempo: o último grande fenômeno de uma era em que as pessoas ainda paravam para sentir algo juntas. O mundo mudou, nós mudamos, e Hawkins também.
Talvez a despedida doa, mas é justamente isso que torna Stranger Things eterna, porque toda história que nos marca não termina de verdade, apenas encontra outro jeito de continuar dentro da gente.
E quando as luzes piscarem pela última vez, saberemos que o mundo invertido não era um lugar. Era um espelho.

Trailer da 5ª temporada:
⭐️⭐️⭐️⭐️











