Por que ainda ouvimos 'O Mar', de Dorival Caymmi
- Marcello Almeida

- 28 de ago.
- 2 min de leitura
Há canções que parecem carregar em si a eternidade

Em 1940, quando Dorival Caymmi lançou O Mar, o Brasil ainda começava a se urbanizar, mas o coração do país batia forte nas tradições populares, na força do litoral, no trabalho duro dos pescadores. Caymmi, baiano de timbre doce e melancólico, sabia transformar a simplicidade em eternidade. Seu canto não era apenas melodia: era relato, era oração, era crônica de um povo.
Há canções que parecem carregar em si a eternidade. “O Mar”, de Dorival Caymmi, é uma dessas. Não se trata apenas de música: é um retrato da vida, da natureza, do tempo e da morte. É o mar transformado em poesia, mas também em tragédia cotidiana.
É lindo de se ver e ouvir, como ele explora a relação complexa entre a beleza natural das ondas e o sofrimento daqueles que dependem delas para viver. O verso repetido — “O mar, quando quebra na praia, é bonito” — revela essa dualidade: a mesma paisagem que encanta também esconde histórias de dor, como a de Pedro, o pescador que não retorna, e de Rosinha, que permanece à beira da praia em espera infinita.
A canção vive eternizada como memória coletiva: “Quanta gente perdeu seus maridos, seus filhos nas ondas do mar”. Não é apenas um retrato individual, mas o drama de uma comunidade inteira marcada pela ausência. Caymmi dá voz aos que a história oficial raramente lembrava, transformando o cotidiano em poesia e luto em canto. Rosinha, “agora parece que endoideceu, vive na beira da praia olhando pras ondas”, simboliza essa espera que nunca cessa — a esperança frágil e insistente de quem olha o horizonte como quem olha o destino.
Mais de 80 anos depois, “O Mar” segue vivo porque fala de algo que não muda: a relação do ser humano com a natureza e com a perda. O mar continua belo e perigoso, promessa e ameaça. E a canção, ao mesmo tempo simples e profunda, nos recorda de que a arte nasce muitas vezes do choque entre encantamento e tragédia.
Não à toa, novas gerações também se reconhecem na força desse canto. A banda Vanguart gravou uma versão delicada e intensa de “O Mar”, reafirmando como Caymmi segue atual e necessário. Sua poesia atravessa o tempo, reconfigurada em outras vozes, mas sempre fiel ao mistério que a originou.
Ouvimos “O Mar” porque ele é, em essência, a própria vida: bela e cruel, promessa e perda, canção que começa na praia, mas nunca termina — porque continua acendendo algo dentro de nós.















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