Pato Fu abraça o coletivo e provoca a hipocrisia, preconceitos e a exploração da fé no bonito '30'
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Pato Fu abraça o coletivo e provoca a hipocrisia, preconceitos e a exploração da fé no bonito '30'

O álbum celebra os 30 anos da banda mineira com riffs de guitarras criados por John Ulhoa há cerca de 40 anos.

Foto: Click Estúdio / Divulgação


Quantas coisas aconteceram no mundo desde que a banda mineira Pato Fu lançou um disco de inéditas? O ano era 2014 e o disco ‘Não Pare Para Pensar’. O Brasil entrava em um momento conturbado, o crescimento da extrema-direita, o fortalecimento do bolsonarismo no país, e logo depois a pandemia da Covid-19, situações que abriram as portas para inúmeros monstros saírem do armário espalhando ódio, dor, preconceito e morte. As fake news que conduziram suas marionetes a desacreditar na ciência aumentando cada vez mais a bolha de achismos e ignorância.


Isso tudo serve como combustível e gás para o novo álbum da banda intitulado apenas de ‘30’. Trabalho que se abastece de melodias agridoces, letras líricas e bonitas que trazem suavidade, aconchego e felicidade a cada faixa sem se esquecer dos momentos indesejáveis e sombrios que vivenciamos nos últimos tempos. A voz de Takai voa longe até chegar lá naquele ponto certeiro da alma. Isolamento, solidão, desemprego e o (des)governo passado refletem em cada letra do álbum.



O disco soa tão atual que se conecta perfeitamente com os diversos sentimentos dos brasileiros. Aquele grito engasgado, aquela necessidade de botar pra fora tudo aquilo que ficou entalado por longos e árduos três anos. Família, amigos e amores estão todos conectados em canções mais diretas, sem muito uso do experimentalismo tão recorrente nos trabalhos da banda mineira. Porém, são 9 canções que tratam de temas pertinentes e necessários, mas que deixam aquela estrela de esperança e luz no fim do túnel.


‘30’ é um trabalho ligeiro e urgente, necessário para nossos dias atuais. Abordagens densas e turbulentas que imitam a vida no seu dia a dia ganham notas singelas dosadas por um power pop ao estilo Teenage Fanclub, características que ficam evidentes na ótima e contagiante “Fique Onde Eu Possa Te Ver”, que traz versos poéticos e honestos sobre a vida, amores e amigos. A canção age como um abraço apertado, você não está sozinho. “Fique onde eu possa te ver/Fique perto dos olhos que te querem bem… Quando tudo melhorar/Quando tudo melhorar”. A faixa nasceu de um acorde de guitarra feito por John Ulhoa há cerca de 40 anos, quando o músico ainda explorava seus dotes guitarrísticos.


O Pato Fu segue contextualizando e captando o atual cenário brasileiro, um povo inteiro dividido por suas ideologias políticas e convicções, e nisso, o individualismo ressalta o egoísmo e aumenta a distância entre pessoas queridas, ou que pelo menos eram ligadas.


A faixa introdutória de '30' se conecta agridocemente com seu encerramento com a dilacerante e reflexiva "Dias Incertos" que mergulha em uma melancolia com pontas psicodélicas que emulam o desespero que insiste em bater à porta naqueles dias nos quais nos sentimos perdidos em um abismo sem rumo. "O mundo às vezes te engana/O amigo nem sempre vem/As horas vão passando e nada/Quem Sabe se perdeu como você/Não vale desistir, pode crer/Só não vale desistir". "Silenciador" é a música mais potente do trabalho, toca na hipocrisia religiosa e no racismo e violência urbana, casos tão frequentes em nosso país.


Entretanto, nem só de pop agridoce vive '30', "A Besta" chega em um rock enérgico direcionado para o ex-governo de Jair Bolsonaro e seus discípulos que ainda insistem em crer. "A besta lá vem, fazendo piadas/Com hipocrisia arrebanhando imorais/A besta se acha demais/A besta de tudo é capaz". "Diga Sim" emula docemente aqueles momentos onde queremos fugir para longe de tudo. Uma canção lenta e de arranjos serenos que trazem um certo aconchego para o coração. Ainda há de ter esperança.

Com tudo, '30' é um disco de refúgio, um canal para fugir e se abrigar. Um trabalho de amadurecimento que brinda e traça um olhar lírico e poético para trajetória do Pato Fu, uma banda sempre atenta aos acontecimentos do mundo. Renato Russo uma vez disse que uma canção pop é como se fosse sua vida inteira em 3 minutos. Com quase 30 minutos, '30' é um turbilhão de sentimentos e memórias, aquelas que nos cercam constantemente. Faz parte do processo de crescer e envelhecer, e o Pato Fu faz isso tão bem. Vale cada minuto de audição.

 

30

Pato Fu


Lançamento: 31 de março de 2023

Gênero: Pop Rock, Indie Pop

Ouça: "Dias Incertos", "Fique Onde Eu Possa Te Ver", "A Besta"

Humor: Agridoce, Provocativo, Melódico


 

NOTA DO CRÍTICO: 8,0

 

Ouça "Dias Incertos":



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