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O livro dos Prazeres: uma visão pessoal e apaixonada

Para mim, esse não é um livro sobre uma mulher que está aprendendo com um homem. É sobre uma mulher que está aprendendo consigo mesma.

Imagem reprodução




Me disponho a escrever apaixonada e nada tecnicamente sobre o livro que muito me instiga da escritora que tanto amo ler e dispensa apresentações: a grande Clarice Lispector, autora de "O Livro dos Prazeres ou Uma Aprendizagem"


“A mulher não está sabendo: mas está cumprindo uma coragem. Com a praia vazia nessa hora, ela não tem o exemplo de outros humanos que transformam a entrada no mar em simples jogo leviano de viver. Lóri está sozinha. (...)

Vai entrando. A água salgadíssima é de um frio que lhe arrepia e agride em ritual as pernas. (...) Com a concha das mãos (...) cheias de água, bebe-a em goles grandes, bons para a saúde de um corpo.



Era isso que estava lhe faltando: o mar por dentro como líquido espesso de um homem.”


Essa é a passagem (adaptada e resumida) do livro “Uma Aprendizagem ou O livro dos Prazeres” de Clarice que mais me toca. Aqui eu consigo ver o mar. Eu leio a metáfora da fertilidade, do sexo, da potência feminina na liberdade das escolhas sexuais, sinto como se eu, junto a personagem, revivessemos, reflorescessemos, toda vez que leio esse trecho. Me apaixono sempre por ele.


Para mim, esse não é um livro sobre uma mulher que está aprendendo com um homem. É sobre uma mulher que está aprendendo consigo mesma. E quer intencionalmente aprender. E é como se ela escrevesse neste homem toda vez que conta a ele o que ela sente. Ele não é uma fonte de confiabilidade para ela. Ele é um receptor das sensações recém descobertas de Lóri.



A narrativa não se apresenta de forma comum, o texto se inicia com uma vírgula:

“ ,estando tão ocupada, viera das compras de casa que a empregada fizera às pressas porque cada vez mais matava serviço (...)”


Entendemos que não é sobre um cotidiano comum de uma mulher comum. É sobre como cada coisa aparentemente comum pulsa dentro dela e a faz ver a vida. Como se ela quisesse experienciar cada segundo da vida. Cada gole do mar, cada mordida na maçã, cada gole de café sorvido, cada vento que bate na janela durante a madrugada. Ela experimenta, conscientemente, a sensação de beber a vida, ou de morder a vida. Bem devagar. Saboreando. E Ulisses é personagem periférico na minha visão, pois dá base para Lóri ser. Ele não é, ele vive a história para que ela (Lóri) seja a história. Ulisses é um ouvinte atento, um comentarista, mais que um professor. Lóri vive o estado de graça, enquanto Ulisses vive, apenas.


“Lóri estava suavemente espantada. Então isso era felicidade. De início se sentiu vazia. (...) Não, não quero ser feliz. Prefiro a mediocridade. Ah, milhares de pessoas não tem coragem de pelo menos prolongar-se um pouco mais nessa coisa desconhecida que é sentir-se feliz e preferem a mediocridade. Ela se despediu de Ulisses quase correndo: ele era o perigo”



Nós, enquanto leitoras, fazemos nossas escolhas. Eu não vejo banalidades corriqueiras, não imagino uma cama ordinária ou uma simples mesa com uma mera fruteira. Eu vejo quadros desenhados, tento ver a alma da Lóri enquanto imagino sua história, que me é tão profunda e intensa, acontecendo fora dos parâmetros da realidade.


“ O que também salvara Lóri é que sentia que se o seu mundo particular não fosse humano, também haveria lugar para ela, e com grande beleza: ela seria uma mancha difusa de instintos, doçuras e ferocidades, uma trêmula irradiação de paz e luta, como era humanamente, mas seria de forma permanente: porque se o seu mundo não fosse humano ela seria um bicho. Por um instante então desprezava o próprio humano e experimentava a silenciosa alma da vida animal.” Acredito que esse seja um livro para ler em diferentes momentos da vida. E passei o último ano relendo-o lenta e descompromissadamente. Ainda não terminei essa que será a terceira leitura dele. Talvez daqui alguns anos o veja diferente. Neste momento, eu vivo esse livro assim, de forma que estou aqui apaixonadamente escrevendo.





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