O Incrível Homem que Encolheu (1957): o grito existencial mais silencioso do sci-fi — e cada vez mais atual
- Marcello Almeida
- 17 de mai.
- 3 min de leitura
Ele encolhe… mas cresce. Cresce mais do que qualquer um de nós

Uma fábula filosófica da ficção científica sobre a desintegração do ego e a urgência de existir num mundo que nos encolhe por dentro.
Na superfície, é só mais um filme B da ficção científica dos anos 50. Um cara é exposto a uma névoa radioativa e começa a encolher. Soa ridículo. Mas olha de novo. Mais fundo. Porque O Incrível Homem que Encolheu, dirigido por Jack Arnold e roteirizado por Richard Matheson, é um tapa metafísico em forma de filme. Um manifesto contra a insignificância. Uma oração existencialista disfarçada de pulp.
Scott Carey é um homem comum. Marido, cidadão, corpo padrão da América dos anos dourados. Até que o acaso — ou o destino, ou a física — rompe a linha do real. Ele começa a diminuir. Centímetro por centímetro. Milímetro por milímetro. E quanto mais encolhe o corpo, mais cresce a crise. O ego desmorona. O orgulho vira poeira. O que era homem vira fábula.
É uma descida. Um mergulho sem volta no abismo da percepção. Primeiro ele perde a roupa. Depois, a casa. O respeito. A identidade social. A esposa parece uma deusa gigante e impotente. Um gato vira predador. Uma simples goteira se transforma em tsunami. A realidade se transforma em selva.
Mas é quando ele cai no porão — isolado, invisível, caçado por uma aranha — que o filme atinge o absurdo e o sublime ao mesmo tempo. Porque é lá, no fundo do fundo, entre tábuas, migalhas e fiapos de sobrevivência, que Scott se reconstrói. Não como homem. Mas como ser. Como existência pura.
E então vem o final. Aquele final que parece sussurrado por Nietzsche, por Camus, por todos os poetas que já escreveram com dor: “I still exist!” — “Eu ainda existo!”

Essa frase ressoa até hoje. E talvez, agora, mais do que nunca. Porque a gente também está encolhendo. Não pelo contato com uma névoa radioativa. Mas pelo excesso de tudo. Informação. Exposição. Pressão. Expectativa. Redes sociais, algoritmos, notificações. Tudo isso nos reduz. Nos miniaturiza. Nos empurra para dentro de porões simbólicos onde a gente luta com aranhas invisíveis: ansiedade, comparação, esgotamento, vazio.
O porão de Scott é hoje o feed infinito. A aranha é a cobrança velada de performar felicidade. A névoa radioativa é o medo de não ser visto. De não ser relevante. De ser só mais um. E assim como ele, a gente vai se desfazendo. Perdendo espaço. Perdendo voz. Perdendo o “eu”.
Só que diferente de Scott, a gente não encolhe para encontrar a essência. A gente encolhe para caber. Para agradar. Para não incomodar. E nisso se perde tudo o que é vivo.
Jack Arnold fez em 57 um filme que é, sem querer, uma fábula brutalmente atual. Richard Matheson escreveu, sem saber, sobre o algoritmo, sobre o burnout, sobre essa sociedade do espetáculo onde quanto mais você aparece, mais você se apaga.
O Incrível Homem que Encolheu não é só sobre um homem diminuindo. É sobre o que a gente vira quando deixa de resistir. Quando aceita ser apagado. Quando se adapta tanto que deixa de existir.
Mas o filme também oferece uma saída. Uma luz. Um grito. “Eu ainda existo.” Essa frase precisa ser redita. Precisa ser tatuada nas paredes do mundo. Porque não é só uma fala de personagem. É um gesto de revolta. De lucidez. De quem, mesmo esmagado, ainda se afirma.
A gente precisa disso. De lembrar que, mesmo invisível, mesmo esmagado, mesmo reduzido — ainda dá pra resistir. Ainda dá pra existir.

O Incrível Homem que Encolheu (1957)
The Incredible Shrinking Man
Ano: 1957
Gênero: Ficção Científica, Suspense
Direção: Jack Arnold
Roteiro: Richard Matheson
Elenco: Grant Williams, Randy Stuart, April Kent
País: Estados Unidos
Duração: 81 min
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