O Ataque dos Vermes Malditos é mais esperto do que parece
- Marcello Almeida
- há 13 horas
- 3 min de leitura
Um clássico cult B que fala mais sobre Trump do que muito documentário político

Sim, aquele filme dos anos 90, com vermes gigantes rastejando por baixo da terra e um punhado de personagens presos num vilarejo empoeirado no meio do nada. Não, não é o saudoso Val Kilmer — é o Kevin Bacon, novinho, camisa suada, cara de quem já desistiu da vida antes mesmo dos monstros aparecerem. Aliás, com aquele cabelo desgrenhado e o ar magricela de quem fugiu de uma banda de garagem, ele lembra bastante o Neil Young em começo de carreira.
E pra quem viveu os anos 90, a memória vem completa: tela de tubo, dublagem clássica, intervalo com comercial de detergente. Tem também uma coisa que não dá pra ignorar: a memória. O afeto. Esse é um daqueles filmes que não moram só na prateleira da locadora ou na lista dos cults trash dos anos 90 — moram na infância, na adolescência, naquele momento exato em que a gente chegava da escola, largava a mochila no chão e ligava a TV no SBT. Era “Cinema em Casa”, dublagem clássica, som estourado, imagem meio lavada e uma sensação estranha de que o mundo podia acabar, mas antes a gente ia ver o final.
O filme virou memória não só pelo que mostrava, mas por tudo que existia em volta dele: o cheiro do sofá, o vento do ventilador, o gosto do lanche e aquele silêncio de casa habitada. É disso também que o filme é feito. De lembranças. De um tempo mais analógico, onde o medo vinha de baixo da terra e não de dentro da internet.
E se hoje ele é lembrado com tanto carinho, não é por acaso. O Ataque dos Vermes Malditos é um clássico cult B — daqueles que nasceram pequenos, quase descartáveis, mas sobreviveram porque têm alma.
Com efeitos práticos, humor absurdo, personagens carismáticos e um monstro que virou ícone, o filme conquistou seu lugar no panteão do cinema trash com dignidade. Ele não tenta ser mais do que é — e justamente por isso, é mais do que parece.

Mas nostalgia à parte, por trás do terror B, tem um retrato da América profunda — armada, isolada, orgulhosa de sua autossuficiência e, ao mesmo tempo, miseravelmente vulnerável.
“Perfection” é o nome da cidade. Irônico. Um aglomerado de casas no deserto, sem saída, sem futuro, onde o maior acontecimento da semana é tirar o lixo antes dos coiotes revirarem. Quando os vermes surgem, gigantes, buracos vivos na terra, o filme deixa de ser só uma brincadeira gore e escorrega (sem pedir licença) pra crítica social.
Não é sobre monstros. É sobre pânico. Sobre a ilusão do controle
Aqueles personagens, todos armados até os dentes, cercados de barricadas e frases de efeito, desmoronam diante de algo que não entendem, que vem de baixo, invisível, sem lógica. O monstro é o caos — e a resposta individualista, a típica fantasia do cowboy solitário, não funciona. Eles só sobrevivem quando viram comunidade. Quando ouvem uns aos outros. Quando trocam o grito pelo gesto. É aí que o filme mostra sua inteligência.
A terra engole o mito da América invencível.
A crítica é sutil, mas tá lá: os “vermes malditos” são o colapso das certezas. São o que vem quando você cava fundo demais num solo rachado por segredos, omissões e autossuficiência tóxica.
E quando a gente olha pra América de hoje, o retrato é quase o mesmo — só que piorado, hipertrofiado, berrando de boné vermelho. Trump é a caricatura viva daquele mesmo espírito isolacionista e armado de “Perfection”. A diferença é que ele saiu do deserto e foi parar na Casa Branca. O bunker cheio de armas virou política oficial. O delírio da autossuficiência virou lema de campanha. E os vermes? Continuam por aí, cavando por baixo da superfície de um país rachado — e do mundo inteiro.

No fim, o que resta é a mesma lição: não é a força, nem a arrogância, nem o grito. É a escuta. É o improviso. É a capacidade de mudar.
O Ataque dos Vermes Malditos tem cheiro de filme pipoca, estética de VHS em fim de rolo, mas carrega o gosto amargo de uma metáfora que sobreviveu ao tempo. E que, olhando pra onde estamos agora, talvez faça mais sentido do que nunca.

O Ataque dos Vermes Malditos
Tremors
Ano: 1990
Gênero: Terror, Comédia, Ficção Científica
Direção: Ron Underwood
Roteiro: Ron Underwood, Brent Maddock
Elenco: Fred Ward, Kevin Bacon, Michael Gross, Reba McEntire, Finn Carter
País: Estados Unidos
Duração: 96 min