Nevermind: por que a capa do Nirvana virou o retrato cruel da inocência no capitalismo
- Marcello Almeida
- há 7 horas
- 2 min de leitura
Mais do que música, a imagem do bebê submerso tornou-se símbolo de uma era — inocência, consumo e rebeldia em uma única fotografia

A capa de Nevermind não foi apenas uma escolha estética. Foi uma sentença visual sobre quem somos e para onde estamos nadando.
Em 91, o Nirvana não apenas lançou um disco — lançou um retrato. Nevermind é música, mas antes de qualquer acorde, foi imagem. O bebê nu, mergulhado na piscina, perseguindo uma nota de um dólar presa num anzol. Um instante congelado que atravessou décadas, dividiu opiniões e se transformou numa das capas mais reconhecidas da história.
A ideia nasceu de algo simples, quase banal: Kurt Cobain havia assistido a um documentário sobre partos subaquáticos. O impacto visual ficou preso em sua mente. Da simplicidade à provocação, a capa tornou-se uma crítica feroz, ainda que silenciosa, ao desejo humano que nasce junto com o primeiro suspiro: a corrida pelo dinheiro.
A foto, feita pelo fotógrafo Kirk Weddle, tinha tudo para ser apenas ousada. Mas se transformou em profecia. O bebê, Spencer Elden, cresceria carregando não só a fama acidental, mas também o peso simbólico de uma geração que se viu representada naquela perseguição impossível: a inocência vendida, leiloada, capturada pela ganância.
Ao longo dos anos, Nevermind ultrapassou a música. Tornou-se símbolo. Aquele bebê passou a encarnar as contradições do nosso tempo: liberdade e prisão, pureza e mercado, nascimento e consumo. Uma obra que não se limita ao rock. Ela é filosofia em imagem.
Mesmo com as polêmicas recentes — processos judiciais, debates sobre exploração e privacidade —, a capa resiste. Porque, como toda arte maior, ela ultrapassa até seus protagonistas. O que importa não é o bebê real, mas o bebê universal que todos fomos. E que todos ainda somos, mergulhados, sem ar, correndo atrás de um dólar que nunca se alcança.
Talvez seja por isso que Nevermind continua tão atual. Porque, em cada piscada de olhos para aquela foto, sentimos o incômodo: a vida é uma piscina sem fundo. E o oxigênio, esse sempre preso num anzol invisível.
Comentários