Kristoffer tem mostrado ser uma grande força independente da música progressiva por meio de discos consistentes e cheio de personalidade.
Kristoffer Gildenlöw foi baixista do Pain of Salvation - banda sueca fundada pelo seu irmão, Daniel Gildenlöw - em seus 5 primeiros álbuns, período que inclui a gravação daqueles que são provavelmente os três maiores clássicos da banda: The Perfect Element - Part 1 (2000), Remedy Lane (2002) e Be (2004). A partir de 2005, Kristoffer começou a pensar também em trabalhar em algum projeto solo e não somente com a banda, porém, ele teve que se mudar para a Holanda e isso acabou deixando inviável para que o músico pudesse comparecer aos ensaios do grupo e manter uma carreira solo ao mesmo tempo, escolhendo assim, se desligar da banda - algo que aconteceu amigavelmente. Além do Pain of Salvation e carreira solo, Kristoffer também chegou a tocar com nomes como Kayak, Damian Wilson, Neal Morse e Lana Lane.
Daniel Gildenlöw, é considerado por muitos um verdadeiro gênio dentro do universo do metal progressivo. Com isso, Kristoffer Gildenlöw sabia que não estava somente iniciando uma carreira solo, mas também um grande desafio de fazer com que as pessoas não o vissem apenas como o irmão mais novo de Daniel. Um dos recursos usados por Kristoffer em relação a isso foi criar um estilo musical diferente, e que o colocaria cada vez mais longe da sombra do irmão. Algo que inclusive tem funcionado melhor a cada novo álbum lançado por ele.
A cada disco, Kristoffer tem mostrado ser uma grande força independente da música progressiva por meio de discos consistentes e cheio de personalidade. Empty não é diferente. Mais uma vez, o multi-instrumentista entrega um agrupamento de peças densas, comoventes e soturnas quase góticas para criar um álbum capaz de causar sensações diversas no ouvinte. Questionado sobre ser um trabalho conceitual, Kristoffer disse eu não escrevo álbuns conceituais no sentido tradicional, com histórias de personagens e diálogos, Empty é um olhar cético e cínico sobre os humanos e a humanidade, visto de três perspectivas diferentes. A visão pessoal de humanos contra humanos, de humanidade como fenómeno à escala global e como espécie que habita este pálido ponto azul no espaço, encarada pelo criador que tem dúvidas sobre a sua criação. É um tema bastante profundo e desafiador que o álbum segue.
Gildenlöw canta e toca vários instrumentos, além de ter a companhia de uma lista grande de músicos, Dirk Bruinenberg (bateria), Jeroen Molenaar (bateria), Joris Lindner (bateria e órgão Hammond), Ola Sjönneby (metais), Ben Mathot (violino), Anne Bakker (violina e viola erudita), Maaike Peterse (violoncelo), Jan Willem Ketelaers (backing vocal) e Erna Auf der Haar (backing vocal). Sentiram falta das guitarras? As deixei por último de propósito, são três excelentes guitarristas que variam entre si na hora do solo - mas não há crédito de quem toca em qual música. Paul Coenradie, Marcel Singor e Patrick Drabe são responsáveis pelos momentos mais belos do álbum.
Time To Turn The Page é a peça que inicia o disco, com algumas notas de guitarra que poderiam ter sido feitas pelo Dire Straits, caso a banda de Mark Knopfler e companhia optasse por soar de forma sombria e tristonha, sendo esse o clima que permanece até a metade da música, quando então o ouvinte é direcionado para um segmento mais pesado, liderado por forte solo de guitarra, enquanto baixo, bateria e órgão criam uma perspectiva sonora mais expansiva. “End Of Their Road, inicialmente, possui um violino belíssimo e vocais bastante equilibrados - tanto os de Kristoffer quanto os de apoio - em tons nitidamente negativo. Quando batidas médias entram na peça, ela ganha intensidade, destacando-se principalmente no momento do solo de guitarra.
Harbinger Of Sorrow começa por meio de uma tapeçaria de piano de humor aflitivo e acompanhado por algumas notas sussurrantes de baixo que existem apenas para demonstrar que há pulsação na peça. Conforme se desenvolve, vai ganhando uma instrumentação mais sólida e corpulenta, enquanto os vocais parecem estar sempre se lamentando. Em He's Not Me, se existe alguns trechos que podemos considerar floydianos dentro desse álbum, com certeza, aqui temos um dos indícios mais fortes, principalmente em relação a suas linhas de guitarra - durante as slide guitar, sinto um pouco a vibe de Breathe -, mas a seção rítmica e as teclas também ajudam a entregar um som atmosférico e psicodélico, sendo que até mesmo os vocais podem ser comparados aos de David Gilmour.
Black & White, o humor deixado pela faixa anterior ainda parece permear pelo disco por meio desta. Novamente, a seção rítmica é muito sólida, os teclados criam um clima taciturno e os solos belíssimos e pontuais de guitarra se encarregam em fazer um preenchimento dramático cheio de densidade. Os backing vocals mais abertos acompanhando os vocais principais mais retraídos é uma combinação perfeita. Down We Go é mais uma das peças com fortes acenos ao Pink Floyd - principalmente devido à maneira espacial que ela floresce. Quando a seção rítmica eleva o andamento da música, traz com ela um solo de guitarra lindamente melódico, um dos mais belos do disco.
Turn It All Around possui um trabalho de cordas que traz à peça uma forte veia orquestral, enquanto os vocais quase sussurrantes entregam angústia. As únicas batidas da peça acontecem de forma pontual em determinado momento, e soam como uma espécie de rufos de tambor. A guitarra, quando acionada, pincela as paredes da música nas cores escuras que o álbum pede. Means To An End inicia por meio de uma batida média e uma ênfase em notas de órgão, então silencia, sendo direcionada para uma linha de piano e voz. Quando a cozinha retorna, o tema antes do órgão agora soa mais orquestral antes de silenciar mais uma vez. Na terceira aparição do tema central, um excelente solo de guitarra rasga a música.
Beautiful Decay, piano e violão andam abraçados em perfeita harmonia, criando uma cama confortável para que os vocais idôneos de Kristoffer se deitem confortavelmente, algumas linhas de baixo dão liga à peça antes que a bateria, por meio de uma levada lenta, dite uma nova direção. The Brittle Man, com os seus cerca de 2:30, é a menor música do disco, porém, não deixa de ser interessante. O trabalho de baixo e violino criam um ambiente sereno e cheio de sensibilidade, então que, mais próximo do fim, um piano com muita sutileza emerge por alguns instantes. Posso estar ouvindo coisas onde não existem, mas os vocais aqui soam meio Johnny Cash.
Saturated, se comparada com outras músicas do álbum, aqui temos um exemplo muito mais animado, mas, mesmo assim, não compromete a coerência do disco como um todo, pois, apesar de bater em outra frequência, é uma peça que se insere muito bem no meio das demais. Os backing vocals e as linhas de sintetizadores são excelentes. Essa entrega cheia de camadas e musicalmente mais vibrante me surpreendeu positivamente quando ouvi pela primeira vez. O baixo e a bateria soam simples durante toda música, enquanto a guitarra entrega alguns solos que estão muito bem localizados.
Empty, com os seus quase 10 minutos de duração, é a música mais longa do disco e também a que o encerra. Durante mais que seus 3 primeiros minutos, a peça vai se arrastando dentro de um cenário bastante fúnebre e introspectivo, até que os vocais melancólicos e enternecedores de Kristoffer entram, com a atmosfera sombria se mantendo. Então que é possível perceber que há uma preparação para algum tipo de clímax, sendo exatamente isso que a bateria anuncia, o solo de guitarra mais lindo do disco pede passagem, emergindo como quem se liberta de um ambiente claustrofóbico e comemora por sua liberdade. Um final apoteótico para o disco.
Como já é de se esperar, Empty não é um disco pra ser descoberto de forma instantânea, afinal, suas várias divisórias, vão aos poucos levando o ouvinte para as suas profundezas, até chegar ao âmago do que Kristoffer Gildenlöw prosperou. Existem aqueles tipos de músicas que são puro entretenimento, mas também existem músicas, como as encontradas em Empty, que requerem atenção e um comprometimento de quem as ouve, caso contrário, todos os seus detalhes e temas significativos, perspectivas sonoras inesquecíveis, melodias intrincadas entrelaçadas com uma musicalidade delicada e ponderada, tudo isso vai passar despercebido e sem receber a atenção merecida.
Empty
Kristoffer Gildenlöw
Ano: 2024
Gênero: Art Rock, Rock Progressivo,
Ouça: “Down We Go”, “He's Not Me”, “Empty”
Humor: Soturno, Reflexivo, Profundo
Pra quem curte: Pink Floyd, Camel (fase anos 90)
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