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Incômodos necessários na peça Um fascista no divã

Atualizado: 14 de mar. de 2023

No final, o incomodo cresce e eu percebo então que ele é o grande protagonista desta peça.

Imagem Reprodução.



(Contém informações que revelam partes importantes da obra)



Um fascista incomoda muita gente ?


Incômodo: causar ou sentir desgosto, aborrecimento, irritação; aborrecer(-se), desgostar(-se), exasperar(-se), irritar(-se).


De repente, um forte e perturbador barulho toca pela terceira vez anunciando o início da peça, vinte minutos depois do horário divulgado. Neste tempo uma desorganização, que me pareceu prevista, acontecia. Pessoas buscando lugares, muitos lugares marcados, pessoas sentadas no chão, pessoas reclamando por sentar no chão, pessoas subindo para assistirem a peça de outro ângulo, muitas luzes de celular e um barulho de áudio vazando. O diretor e a produtora pedem silêncio através de “xius” ditos bem altos. Fazem todos perceberem sua preocupação. Nesta altura não sei mais o que é jogo teatral e o que é imprevisto. E tudo incomoda. No final, o incomodo cresce e eu percebo então que ele é o grande protagonista desta peça.


A atriz, Giovana Echeverria, está em cena em frente a um ringlight e um cenário bem organizado, com um divã e uma cadeira sobre um tapete. Uma televisão passa diversas imagens incessantemente. A atriz inicia suas falas. De maneira bem audível, com uma voz limpa de dicção impecável o que será um contraste durante todo o resto da peça. Então, um homem se levanta da plateia e começa a interpelar a atriz. Percebi que ele estava com um ponto eletrônico, assim como mais outras nove pessoas. E uma a uma foram se levantando e participando da cena. E a peça é isso: uma atriz encenando com dez pessoas que foram assistir ao espetáculo e aceitaram o convite do diretor para entrar em cena, o coro, como eles chamam. O que faz com que cada peça seja uma experiência única. No começo algumas pessoas entram em cena mais tímidas soltam suas falas de forma quase inaudível. Depois, os mesmos se divertem e dão a impressão que estudaram o personagem a meses, perante o gozo em interpretarem.E a peça ganha um ritmo bom. Além de atuarem, as dez pessoas também fazem a contrarregragem da peça, com uma excessiva troca de cenário e entra e sai de objetos, o que faz com que, até o final da peça, o cenário esteja completamente modificado.



Sobre o texto: “Um fascista no divã” é de autoria de Márcia Tiburi e Rubens Casara. O mote da história é um político de extrema direita, que o público consegue reconhecer e dar nome ao desenrolar da peça, que, seguindo conselho de seu marqueteiro, inicia sessões de psicanálise. A médica psicanalista entra em conflito consigo mesma ao se deparar com falas extremamente machistas, homofóbicas, racistas e todo tipo de comportamento que prevê atingir minorias sociais, o que ela demonstra discordar.


E assim, no final da peça, nos deparamos com cenas em que a atriz coloca um líquido branco na boca (leite?) e em seguida devolve esse líquido em baldes que são trazidos pelos coro. Tudo isso acontece enquanto ela ouve as barbaridades ofensivas que o político dispara em seu consultório acerca de diversos assuntos. No final, esses baldes são despejados em uma pequena piscina inflável junto a outra substância gosmenta que não pude identificar. A atriz coloca seus pés descalços dentro dessa piscininha, passa sua mão no líquido derramado e o esfrega no rosto enquanto mantém o último diálogo com seu paciente que também está com os pés enfiados na piscina, mas bem protegidos por um plástico. A metáfora dos dois enfiados, chafurdados e não desconfortáveis naquela sujeita, naquela posição, é incômoda. As expressões faciais que Giovana faz, que parecem espasmos, incomodam. A música, a forma dela tocar o instrumento musical que lhe é entregue, a movimentação em cena, as bandeirinhas pequenas e depois a bandeira grande do Brasil com as cores trocadas, incomoda. O som que toca no final da peça numa altura extremamente alta, incomoda. O incômodo vai crescendo até que as luzes se apagam.


A peça termina numa sensação de alívio. O público demora alguns segundos para começar a aplaudir.



Passada a sensação, penso: quantas vezes eu fiquei incomodada na presença de uma pessoa que se revela fascista? Quantas vezes uma fala fascista me incomodou? Quantas vezes e de que forma lidamos com o incômodo que os discursos fascistas nos provocam? Discursos fascistas nos causam incômodos? Agimos perante esse incômodo?


A direção propôs um jogo cênico brilhante para um texto que, montado de forma convencional, poderia se perder entre o excesso de palavras. As metáforas da peça são sutis e ao mesmo tempo perigosas. Pois causam muito desconforto. Mesmo as imagens que passam na televisão exibindo o contrário do que o paciente fascista prega. Para mim, esse certo desconforto pareceu positivo e estimulante a reflexão. O incômodo poderia ser coletivo para ser manifestado em forma de ação política, durante as eleições, por exemplo, no ato de votar.

No começo da peça, quando a atriz encaixa seu celular na ring light e começa a falar como se estivesse numa live ou gravando um vídeo, pode dar a falsa impressão que essas falas fascistas só acontecem na internet. Será?


A peça importa a todas nós, pessoas brasileiras. Mas ainda ficam algumas questões em aberto, que frequentemente me faço: como levar pessoas que, a princípio, concordam com esses discursos, para assistir a esse tipo de peça? Ou, será que é necessário ainda, dialogar, mesmo que de forma artística, com essas pessoas?


Um fascista no Divã segue em cartaz até 25 de março, na SP Escola de Teatro.




Serviço

Temporada de 02 a 25 de março de 2023 - Quinta, Sexta e Sábado às 20h30

SP Escola de Teatro – Sede Praça Roosevelt - Praça Roosevelt, 210

Ingressos gratuitos – via Sympla - Lotação – 60 lugares

Classificação indicativa – 16 anos

Ficha Técnica

Texto: Marcia Tiburi e Rubens Casara

Idealização: Giovana Echeverria

Direção: André Capuano

Elenco: Giovana Echeverria

Direção de arte: Renato Bolelli

Iluminação & vídeo: Daniel Gonzales

Sonoplastia: Miguel Caldas

Operador de luz: Daniel Gonzales

Corifeu: Benedito Canafístula

Cenotécnico: Bibi de Bibi

Assistente de iluminação: Felipe Mendes

Assistente de direção de arte: Wesley Souza da Silva

Design: Veni Barbosa

Foto divulgação: Flora Negri

Foto/filmagem: Cabaça Produções

Assessoria de imprensa: Canal Aberto

Produção: Corpo Rastreado | Gabs Ambròzia


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