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Hex, do Bark Psychosis: o fantasma fundador do post-rock

Atualizado: 7 de set.

No silêncio entre guitarras rarefeitas e sombras urbanas, nasceu uma nova forma de imaginar a música

Bark Psychosis
Imagem: Reprodução

Em 94, o mundo da música parecia girar em torno de dois polos: o grunge americano que ainda respirava o impacto de Nevermind, e o britpop que começava a se articular em torno de bandas como Blur, Suede e Oasis. O rock estava no centro do debate cultural, mas sempre sob a lógica do espetáculo, da catarse coletiva, da conquista das massas. No entanto, em Londres, longe das capas de revista, um pequeno grupo chamado Bark Psychosis trabalhava em algo que parecia não se encaixar em nenhum desses rótulos. O resultado foi Hex, um disco que passou despercebido em seu tempo, mas que inaugurou, quase sem querer, uma nova forma de imaginar a música.



O crítico Simon Reynolds, ao tentar descrever o que ouvira, acabou cunhando um termo que mudaria tudo: post-rock. A definição não se referia apenas ao Bark Psychosis, mas Hex foi o estopim. Afinal, como chamar de “rock” uma música que rejeitava riffs, que não tinha refrões, que transformava o silêncio em parte essencial da composição? O que se ouvia ali era outra coisa: guitarras que flutuavam, baixos que mais sugeriam do que marcavam, baterias que apareciam e desapareciam como se fossem respirações. Uma música feita de fragmentos, de ruínas, de atmosferas.


O impacto de Hex não estava naquilo que afirmava, mas no que negava. Não havia ali a necessidade de agradar, não havia busca por hits. Havia uma recusa ao espetáculo, uma música voltada para dentro, para a contemplação. Escutar o álbum é como caminhar por uma cidade deserta depois da chuva: cada som é um eco distante, cada pausa é uma esquina vazia, cada melodia é uma luz que se apaga antes de ser alcançada.


Em faixas como The Loom e Big Shot, o Bark Psychosis explorava a relação entre som e silêncio de maneira quase espiritual. As canções não se desenvolvem como narrativas lineares, mas como atmosferas que se desdobram lentamente, pedindo paciência, atenção e entrega. É música que não se oferece, mas que exige ser descoberta.


Talvez por isso tenha sido ignorado em 94. O disco não dialogava com rádios, não servia para festas, não representava o zeitgeist de sua época. Mas, em sua obscuridade, plantava sementes. Anos depois, quando o post-rock se consolidou com Mogwai, Godspeed You! Black Emperor, Sigur Rós e Explosions in the Sky, todos pareciam, de alguma maneira, caminhar nas trilhas abertas por Hex. A diferença é que, ao contrário de seus herdeiros, o Bark Psychosis nunca buscou amplitude — sua obra permaneceu subterrânea, como um segredo.



Ouvir Hex hoje é reencontrar esse segredo. Mais do que um marco histórico, o álbum soa atual porque ainda desafia o ouvinte. Ele não se esgota em uma primeira escuta, não se rende a playlists rápidas, não cabe no consumo instantâneo da era digital. É um disco que pede tempo, e que devolve ao ouvinte algo raro: a sensação de que a música pode ser, de fato, um espaço para pensar e sentir, sem pressa, sem barulho, sem molduras.



Hex não é apenas um álbum esquecido. É uma cápsula fantasma que atravessa décadas para nos lembrar de que a arte mais revolucionária, muitas vezes, é a que se recusa a ser entendida de imediato. O Bark Psychosis, sem buscar holofotes, acabou criando um dos manifestos mais silenciosos e poderosos da música contemporânea.


E é nesse silêncio — entre guitarras rarefeitas e sombras urbanas — que nasceu o post-rock.

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