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Estreia da Celacanto é um espelho rachado onde a gente se vê inteiro pela primeira vez

Não tem nada pra ver aqui — mas é impossível desviar os olhos

Celacanto
Imagem: Reprodução Instagram da banda

Contra todas as placas de aviso, contra o título que avisa e esconde, o que a Celacanto fez em Não Tem Nada Pra Ver Aqui é justamente o oposto da negação: um convite indecente ao mergulho. Um disco que estilhaça a linearidade e entrega fragmentos — de ideias, sentimentos, ruídos — que se colam em nós como cacos de espelho. E doem. Mas a gente segue ouvindo. Porque tem algo de profundamente verdadeiro nesse som que não tenta ser nada além do que é: uma crise existencial convertida em canção.



Logo de cara, a autointitulada faixa de abertura já nos tira do chão. As vozes em repetição não só constroem um ambiente sonoro hipnótico, como parecem dizer: “vai doer, mas é bonito”. A banda — formada por Miguel Lian, Eduardo Barco, Matheus Costa e Giovanni Lenti — não economiza em explorar. E não há aqui exploração vazia: é busca. Cada ruído parece ensaio de uma resposta que ninguém tem coragem de dar.


Quadros vem na sequência como se fosse trilha de um museu abandonado. Há ecos do Radiohead, há sombras do art rock nova-iorquino, há sopros do pós-punk inglês. Mas o que marca mesmo é a tensão entre o caos e o controle. Entre uma estrutura que ameaça desmoronar a qualquer momento, e a calma quase litúrgica das execuções. A banda pisa no terreno sagrado de Caetano, mas de tênis sujo e alma vazando pelas costuras. Eles sabem o que estão fazendo — e sabem que pode dar errado. Por isso é tão forte.


Mas nada prepara a gente para É de Pano. A música entra como navalha, afiada em silêncio. As guitarras cortam o ar como se Thurston Moore tivesse voltado a sentir. É onde tudo ganha densidade. “Todo dia a engrenagem continua não rodando / Não é de metal, ele é de pano” — o verso não é só bonito, é definitivo. É a Celacanto dizendo: somos frágeis, mas estamos aqui. Sentindo tudo.



A partir daí, o disco muda de tom, sem perder a tensão. Cedo é quase pop, mas daquele jeito torto e psicodélico que esconde uma dor bonita. É música que te faz dançar com vontade de sumir. É reconciliação com a melancolia. Desamarrado parece flutuar entre o lamento de uma brisa pesada de um fim de tarde onde tudo que você queria era sumir e alguém te entendesse.


A produção de Lauiz (Pelados) é precisa: nada soa limpo demais. O disco respira por dentro. Tem rangido, tem sobra, tem suor. Em Vendo Demais, o experimentalismo assume o volante, e na sequência com Meu Caminho, a emoção atropela qualquer pretensão. São peças de um quebra-cabeça que se nega a se completar. E tudo bem. A beleza da Celacanto está na tentativa — e na honestidade do fracasso como forma de arte.



E quando tudo parece ter se resolvido, vem o final: Você está ficando velho, o mundo está ficando velho também. Uma despedida sem glamour, serena, desencantada, mas verdadeira. É o último gole do copo quente. É o amor que murcha, mas não morre. É o tempo passando e a gente finalmente aceitando.


No fim, Não Tem Nada Pra Ver Aqui é um manifesto da confusão. Um álbum que não se vende como resposta, mas que encontra beleza justamente nas perguntas. Um disco feito de carne mole, coração aberto e guitarra suja. Um disco pra quem sente demais, pensa demais, vive demais — e nunca consegue explicar por quê.



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