Especial: O som desbravador do Harry
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Especial: O som desbravador do Harry

Atualizado: 17 de dez. de 2021



De Santos para o mundo, banda que teve como membro fundador o guitarrista e vocalista Johnny Hansen, falecido em 2017, é uma grande pioneira da cena alternativa no país.


Duas grandes bandas nacionais que despontaram no underground nacional a partir do início da segunda metade dos anos 80 tinham algo em comum, apesar das diferentes esferas sonoras de atuação. Os mineiros do Sepultura com seu death/thrash metal e os santistas do Harry com sua mescla de rock/eletrônica/industrial/pós-punk adotaram, desde o começo e de maneira um tanto ousada para a época (a explosão do chamado BRock e tudo o mais desse pacote), o inglês como o idioma de suas letras, visando, além de outros aspectos, o mercado gringo e uma maior aceitação por parte deste para os seus respectivos trabalhos fonográficos. Com isso, obviamente, a possibilidade concreta de uma agenda de shows lá fora. Dois grupos visionários e cada um, ao seu modo e estilo, se estabeleceu como importante referência histórica para aquela geração e as posteriores.


O Harry já tinha a sua contribuição inegável para a história da música alternativa aqui no país com três preciosos feitos discográficos: o EP 'Caos' (1987), estreia com as únicas canções em português e com a vocalista Denise Tesluki (ela deixaria o grupo pouco depois), que foi sucedida pelos álbuns 'Fairy Tales' (1988) e 'Vessel's Town' (1990). Além de Hansen (guitarra e vocal), integram a formação considerada clássica o tecladista e também produtor Roberto Verta, o baixista Richard K. Johnsson e o baterista César Di Giacomo.


Após 24 anos, a banda voltou a lançar um registro de estúdio, no qual revisita com uma roupagem mais rocker as canções do seu clássico 'Fairy Tales', considerado o melhor deles por muitos fãs e críticos, sendo também apontado como um dos grandes discos da história do rock nacional (o curioso é que Hansen demonstrava uma preferência maior pelo 'Vessel's Town'). O disco ainda conta com mais algumas faixas inéditas. A formação para este retorno (sem Verta) contou com o baixo de Lee Luthier e a guitarra de Marcelo Marreco. Johnsson assumiu os teclados.


Quem conhece a trajetória do Harry, sabe que o grupo santista é considerado precursor, aqui no Brasil, de uma sonoridade que ajudou a configurar, de certa forma, o cenário musical oitentista, com elementos eletrônicos e do synthpop, assim como as inspirações da EBM europeia e do industrial. Porém, Johnny Hansen e banda - de origem punk, bom lembrar - nunca esconderam as suas influências, digamos, mais ‘pesadas’. Ou seja, Alice Cooper e Sex Pistols são tão importantes para a construção da música do Harry quanto Kraftwerk e New Order, por exemplo.

O álbum 'Electric Fairy Tales', lançado no final do ano de 2014, foi mais do que uma grata surpresa para os fãs e admiradores do grupo. Um dos registros mais punk daquele ano, eu diria. Não apenas pelo som (afinal, trata-se de um “disco de guitarras”, que remete às influências do hard rock clássico setentista, do power pop e do pós-punk), mas também pela atitude, garra e coragem com que foi feito e lançado.


Contrariando uma tendência da moda tão em voga hoje em dia, que é justamente a de revisitar os sons típicos de estilos nos quais os caras são pioneiros no país, o Harry, ciente da  importância histórica que possui e sem  ficar lamentando pelas injustiças e incoerências provenientes da conjuntura relacionada à tríade mercado/indústria/mídia, paga tributo particular à sua própria relevância, fazendo isso da melhor maneira, com um álbum diferente, poderoso e revitalizante, em que os riffs e os solos de guitarra se sobressaem e chamam a atenção de modo especial. E, claro, devidamente amparados pelo vocal característico de Johnny Hansen e uma base/cozinha bem marcante. Destaque também para a ótima produção e a edição bem caprichada, com digipack, fotos e encarte, tudo muito bonito.


A importância, o pioneirismo e a influência do Harry jamais deverão ser ignorados e esquecidos, assim como a passagem notável de Johnny Hansen por este planeta. Aproveito para registrar aqui uma indignação de minha parte como leitor e apaixonado por música: na época do falecimento de Hansen, a edição nacional da revista Rolling Stone - ainda circulava nesse período, sendo que era o maior e mais importante veículo impresso deste segmento por aqui (fui assinante) - não publicou uma nota sequer, acredite.


'Fairy Tales' está disponível nas plataformas de streaming. Dá pra achar algumas coisas deles no YouTube, inclusive o documentário 'Harry - O Caos no Céu Cinza'. Quem se interessa por material no formato físico, pode fazer uma busca por aí pelos CDs e vinis. Em 2005, foi lançado um box com 3 CDs bem bacana e lindo chamado Taxidermy, que traz o EP e os dois primeiros álbuns, todos com faixas extras, incluindo gravações raras, versões demo e remix. É bom lembrar também que o Harry tem várias participações em coletâneas espalhadas por aí. Hansen deixou uma quantidade considerável de material gravado e em 2019 saiu 'The Dark Passenger' (disponível em streaming), álbum que traz a última participação dele. A banda voltou a usar o seu nome de origem, das raízes punk do começo, Harry And The Addicts.


Já são quatro anos sem a presença desse talento, grande músico (tocava vários instrumentos, por sinal), um verdadeiro batalhador incansável em vida. Um cara que faz muita falta e deixou grande saudade na música, para os amigos, fãs e também para aqueles tantos admiradores do Harry - assim como eu - que tinham algum contato com ele através das redes sociais.

 

Fotos abaixo tiradas do acervo pessoal de Marlons Silva

Boxing Harry Taxidermy. Acervo pessoal de Marlons Silva

CD 'Electric Fairy Tales'. Acervo pessoal de Marlons Silva

CD autografado. Acervo pessoal de Marlons Silva

 

Veja o vídeo do documentário 'Harry- O Caos No Céu Cinza' abaixo:


 

Ouça 'Fairy Tales' no Spotify:


 

Sobre Marlons Silva

Sempre que pode ocupa seu tempo com o som de Jorge Ben Jor, Carole King e David Bowie, os livros do Irvine Welsh, os filmes do Ingmar Bergman e umas brincadeiras com a gatinha Lilly. Gosta muito também de pedalar. Acha que sem a música e a arte em geral, a vida seria um erro e também uma piada ruim muito sem graça. Enquanto aguarda ansiosamente uma temporada nova de Black Mirror, está sempre sendo apresentado a algo do universo dos animes pela filha Stella.

 


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