Adolescência: a série da Netflix que escancara a misoginia e o perigo da cultura online
- Marcello Almeida
- 22 de mar.
- 3 min de leitura
Por que ainda precisamos de histórias como “Adolescência”?

Essa pergunta me rasgou e atravessou do primeiro ao último episódio da minissérie da Netflix. Como pai de uma menina com praticamente a mesma idade da jovem da narrativa, é impossível não refletir sobre os feminicídios, a violência que começa nas pequenas permissões e o ciclo de impunidade que protege agressores.
A história de Adolescência não está distante da realidade. Os noticiários diários expõem essa dura verdade, mas é necessário também se colocar no lugar de uma mãe que enterra sua filha, morta por um namorado "ciumento". A constante dúvida sobre a dignidade das vítimas, como "o que ela fazia ali?" ou "será que não provocou?", é uma frase que ressoa na vida real e ganha forma na história, através de um menino de 13 anos.
A premissa da minissérie, que gira em torno da morte brutal de uma menina de 14 anos por um garoto da mesma idade, já é assustadora. E, apesar de sua ficção, a narrativa é um reflexo de uma realidade que muitas mulheres conhecem: o peso da misoginia, a impunidade dos agressores e o papel das redes sociais na perpetuação da violência contra elas.
Filmada em plano-sequência — sem cortes — a série se distingue pela proximidade e tom realista, criando uma atmosfera crua e perturbadora. A violência não está apenas nos atos extremos, mas também nos pequenos gestos e silêncios que a permitem existir, como o riso abafado entre garotos ou a hesitação de uma professora em intervir.
Adolescência não é um caso isolado. Os fóruns anônimos e influenciadores misóginos na internet alimentam uma cultura de ódio que muitas vezes explode no mundo real. Stephen Graham, criador da série, se inspirou em reportagens sobre meninos que mataram meninas a facadas, uma conexão direta com a realidade brutal que vemos no roteiro.
Com apenas quatro episódios, a série não perde tempo em incomodar. Desde o início, fica claro que Jamie Miller, o jovem acusado do crime, não é um vilão clichê. Ele é o reflexo de um sistema que desculpa os meninos e homens, enquanto silencia e culpabiliza as vítimas. A série nos força a encarar a pergunta que muitas mães se fazem: o que estamos ensinando aos nossos filhos homens?

Uma crítica central da narrativa é a normalização do ódio às mulheres, alimentada por discursos misóginos na internet. Jamie não foi criado no vácuo; ele foi moldado por uma sociedade que ensina que poder é sinônimo de controle e que a rejeição deve ser tratada como um insulto. A série joga o espectador em um turbilhão de emoções: raiva, incredulidade, mas, acima de tudo, o reconhecimento de que essa história poderia ser real.
O discurso de que "ele é apenas um garoto", “não sabia o que estava fazendo” ou “foi um momento de fraqueza” ilustra a resistência em enxergar meninos como agressores. Já a vítima se torna apenas uma estatística, uma face esquecida. Isso reflete o que ocorre na vida real, onde meninas e mulheres enfrentam desconfiança ao denunciarem abusos.
É incômodo perceber que o tema da misoginia ainda é tratado com eufemismos nos tribunais e nos meios de comunicação. O garoto recebe desculpas, enquanto a vítima tem sua vida dissecada — suas redes sociais, suas roupas, suas amizades — como se sua morte fosse justificável.
A série expõe essa realidade com precisão e não permite que o espectador se esquive.
Adolescência não é apenas um drama bem produzido – é um alerta. Um lembrete de que a violência contra mulheres não começa com golpes e sangue. Começa com falas, com piadas, com ideias distorcidas que encontram terreno fértil em uma sociedade que ainda insiste em proteger agressores e desumanizar vítimas.
Assistir à série não é confortável. Nem deveria ser. Mas talvez seja necessário. Quantas outras meninas precisarão morrer antes que essa realidade mude ?

Adolescência
(Adolescence)
Ano: 2025
Gênero: Drama, Policial, Mistério
Direção:Philip Barantini (I)
Roteiro: Jack Thorne, Stephen Graham
Elenco: Owen Cooper, Stephen Graham, Douglas Russel
País: Reino Unido
Duração: 230 min
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