Adeus, Mujica: o homem que virou semente
- Marcello Almeida
- há 17 horas
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Alguns partem. Outros permanecem eternos

Hoje não morreu só um ex-presidente. Hoje se despediu da Terra um dos últimos grandes símbolos de resistência política do nosso tempo. José “Pepe” Mujica, aos 89 anos, silenciou o corpo — mas não a história.
A morte foi confirmada nesta terça-feira, 13 de maio, pelo atual presidente do Uruguai, Yamandú Orsi — seu afilhado político, seu companheiro de caminhada. A causa ainda não foi revelada. Mas já sabíamos. Desde abril de 2024, Mujica enfrentava um tumor no esôfago, somado a uma antiga doença autoimune que afetava seus rins. No domingo, 11, Orsi havia dito ao jornal argentino Tiempo que Mujica vivia um momento crítico.
E agora, o tempo se impôs.
Mas como escrever sobre a morte de alguém que sempre foi maior que os cargos que ocupou? Como narrar o fim de um homem que viveu como se fosse eterno — não na carne, mas na coerência? Mujica não foi apenas presidente. Foi preso político, guerrilheiro, jardineiro, filósofo. Foi uma árvore de sombra larga num mundo árido de vaidades.
Quando o mundo se vendia, Mujica se doava. Quando o poder subia à cabeça dos outros, ele colhia flores no quintal. Deu mais entrevistas no banco de trás do seu Fusca do que no Palácio Suárez. E nunca pediu aplauso — só pediu que a gente pensasse.
Pensasse no consumo desenfreado. Na desigualdade. Na pressa de viver sem viver.
“A humanidade marchou por caminhos equivocados”, ele dizia, com aquele olhar de quem já tinha visto demais.

Mujica falava pouco, mas dizia muito. Suas palavras eram armas e cura. Certa vez, diante da ONU, ele desmontou o capitalismo em cinco minutos com a serenidade de um monge e a firmeza de um agricultor. Aquilo não foi um discurso. Foi um espelho.
Hoje o mundo se vê mais pobre. Menos lúcido. Mais só.
Mas Mujica não morreu. Porque há pessoas que não morrem — viram chão fértil, viram fábula, viram pergunta.
O Uruguai perde um pai. A América Latina, uma bússola. E todos nós, um farol.
Descanse, Mujica. Ou melhor: floresça.
Porque você nunca foi fim. Você sempre foi semente.