A Longa Marcha: Caminhe Ou Morra aborda o totalitarismo e a barbárie que sufocam e viram espetáculo
- Eduardo Salvalaio
- há 1 dia
- 3 min de leitura
Uma caminhada que faz alusão a perda da razão e do pensar quando a barbárie e o totalitarismo ofuscam tudo

Costumo dizer nos textos que escrevo sobre filmes que o cinema nunca estará vazio de ideias. Como exemplo podemos citar muitas obras literárias nem tão famosas que ainda podem ganhar as telas. Há muito para ser explorado e mesmo dentro de uma proposta simples, esse filme pode marcar toda uma geração e praticamente revirar a mente do espectador por dias.
Usando o pseudônimo de Richard Bachman, A Longa Marcha foi o primeiro livro de Stephen King, lançado em 1979 quando o escritor tinha apenas 18 anos. Ainda com a sombra nefasta da Guerra do Vietnam pairando sobre os EUA e dentro de uma visão mesclando distopia e terror psicológico, King criou uma obra que continua atemporal, se encaixando muito bem para os nossos tempos.
A Longa Marcha: Caminhe Ou Morra (The Long Walk, 2025) tem a direção de Francis Lawrence (responsável por três filmes da série Jogos Vorazes). Ele está bem acomodado num território que conhece bem, pois trabalhou com atores jovens inseridos em situações extremas dentro de um cenário distópico e violento. O roteiro ganha a assinatura de JT Mollner junto com o próprio Stephen King.
Logo no início, acompanhamos Raymond Garraty (Cooper Hoffman) sendo levado por sua mãe para a tradicional Longa Marcha. Comandada pelo sádico Major (um Mark Hamill quase irreconhecível) que faz questão de declamar todo um discurso totalitário, o evento tem a participação de 50 jovens. Chegando ao local, o carismático Raymond conquista logo a amizade de alguns dos rapazes, entre eles o extrovertido Peter (David Jonsson).
É preciso estar ciente que, apesar de uma atmosfera que tenta inicialmente ser mais branda com os jovens, onde eles vão se conhecendo, revelando suas personalidades e até contando algumas piadas, esse é um filme que será doloroso, cruel e que não poupará cenas viscerais quando os participantes passam a ser eliminados por não cumprirem as regras ou por não conseguirem manter o ritmo.
As regras pesadas da marcha incluem: não possuir faixa de chegada, ter apenas um vencedor (o último a ficar de pé), não sair do percurso, além de que os andarilhos precisam manter uma velocidade média, caso contrário eles recebem uma advertência e, após 3 advertências, são eliminados da competição.

O filme é sustentado por muitos diálogos. Durante a marcha, os assuntos giram em torno de religião, sexo, família, sociedade e até mesmo em relação ao que fazer com a premiação (que dá direito ao vencedor um desejo exclusivo). Também vemos alguns flashbacks ligados a Garraty e o verdadeiro motivo dele estar ali, mesmo contra a vontade de sua mãe.
Mas eles são jovens, com direito a participantes que sequer parecem ter 18 anos. E mesmo com seus sonhos, com amizades sendo realizadas e até com apoio para quem está caindo pelo caminho, a caminhada é mortal. Um ambiente adverso onde a barbárie é uma consequência banal e inevitável, inclusive quando o autoritarismo impõe sua lógica desumanizadora e a violência vira forma de entretenimento para alguns.
Mesmo que Francis coloque alguns momentos de humor, acredito que o riso será amargo por conta das cenas chocantes que elas pretendem suavizar. Você prestes a ser eliminado, mas ainda num momento de humilhação? Soa tenso, mas é verossímil dentro de um cenário onde dignidade e humanidade são valores praticamente perdidos.
Em entrevistas, Cooper Hoffman relatou que, durante as filmagens, atores e a própria equipe andaram cerca de 10 a 25Km por dia com temperaturas que chegavam perto dos 40°C. Realmente esse esforço acaba sendo transportado para o filme onde, mais uma vez, a ficção passa uma sensação bem crua do que seria esse evento na realidade.
Lembrando que esse texto foi escrito sem a leitura da obra de King, ou seja, focado apenas no que é presenciado na tela pela visão de Lawrence, sem comparações ou retratando se existe fidelidade ou não entre as duas versões. Claro que o Mestre do Horror se inspirou bastante na Guerra do Vietnã, fazendo do seu livro uma certeira analogia às tropas que foram enviadas para combater durante o evento.
O final pode ser previsível e penso que poderia ter um desenvolvimento maior. Mas claro, depende de várias leituras e do que podemos apreender sobre essa marcha. Uma caminhada que faz alusão a perda da razão e do pensar quando a barbárie e o totalitarismo ofuscam tudo. Mas que ainda faz a gente refletir sobre amizades, perseverança, tudo que nos leva a valorizar a vida mesmo nos atos mais simples. Como diria um dos personagens: ‘o que eu mais queria agora era apenas um suco de laranja gelado’.












