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Virgin: Lorde mostra que, às vezes, crescer soa mesmo meio estranho

Virgin é um disco frio, cru, e cheio de intenções que parecem nunca se realizar de verdade

Lorde
Foto: Divulgação

Lorde tenta mergulhar fundo nas emoções, nas dores, nas cicatrizes — mas parece parar sempre um pouco antes da superfície, como se tivesse medo de realmente se abrir por completo. O resultado é um álbum que soa distante, quase anestesiado. A produção sintética, os vocais secos, os versos soltos e pouco trabalhados... tudo isso deixa a sensação de que algo está faltando. E pior: algo que já esteve ali antes.



Depois do tão subestimado Solar Power — que, com todos os seus tropeços, pelo menos arriscava uma estética, uma ideia — é curioso ver Lorde optar por esse caminho tão sombrio e sintético. Se antes ela se jogava no folk psicodélico ensolarado, agora parece trancada em um quarto sem janela, escrevendo versos no escuro.


A verdade é que os singles já tinham dado esse aviso. Virgin seria um retorno ao electropop, mas não aquele vibrante e colorido de Melodrama. Aqui tudo é mais sóbrio, mais monocromático. “What Was That” é um bom exemplo disso — a melodia do refrão gruda, mas o instrumental não chega lá. Falta impacto, falta vida. E sim, essa escolha é proposital. Esse é um disco sobre mostrar as rachaduras sem nenhum tipo de maquiagem. Mas quando tudo é tão nu, tão cru, é preciso que a base seja muito forte — e nem sempre é.


Os vocais da Lorde estão... estranhos. Muitas vezes soam ásperos, abafados, ou com efeitos que mais afastam do que aproximam. Tem horas que parece que ela está cantando de dentro d’água. O uso da voz grave, que sempre foi marca dela, aqui não favorece. Em faixas como “Shapeshifter” até há um cuidado, uma intenção clara, mas falta calor. “David”, que fecha o álbum, até tenta explorar texturas novas, e entrega uma das melhores atmosferas do disco — mas também não escapa da frieza geral.



Em “Broken Glass”. A produção é insossa, e a letra — embora trate de um tema sério como distúrbios alimentares — acaba se perdendo na tentativa de ser poética. O refrão é tão mal construído que me tirou completamente da música. E isso acontece em outros momentos do álbum também: a intenção é boa, o sentimento é real, mas a forma como é passado não conecta.


Ainda assim, o disco tem momentos bons. “What Was That” cresceu com o tempo, e o crescendo de “Shapeshifter” é, sem dúvida, o ponto alto do álbum. “David” também consegue passar exatamente o que o álbum tenta ser: dolorido, estéril, melancólico. Só que entre esses acertos, tem muita coisa que não funciona. “Man of the Year” parece prometer uma catarse que nunca chega. “Favorite Daughter” tenta ser divertida, mas soa deslocada e até brega. “Current Affairs” tem uns samples vocais bizarros que quebram qualquer clima.



No fim das contas, Virgin não é um desastre. Está longe de ser um álbum ruim. Ele tem visão, estética, propósito. Mas é, sim, o trabalho mais fraco da Lorde até agora. Sinto que ela ainda está tentando entender quem ela é depois de tudo — fama, tempo, trauma, amadurecimento. E esse álbum, talvez, seja só mais um passo nesse processo. Um documento de transição. Um disco de alguém que quer parecer sábia, mas que ainda está descobrindo como ser. E tudo bem.

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Veja o clipe de What Was That


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