Sister Rosetta Tharpe: a mulher que inventou o rock antes que o mundo percebesse
- Marcello Almeida
 - há 1 dia
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Antes de Elvis, havia uma mulher negra segurando uma guitarra e incendiando o mundo

Poucas figuras na história da música carregam o peso e a genialidade de Sister Rosetta Tharpe, a mulher cuja guitarra elétrica soou muito além de seu tempo e moldou o que hoje conhecemos como rock’n’roll.
Antes de Elvis Presley, Chuck Berry ou Little Richard, Rosetta já estava nos palcos com seu sorriso contagiante e um timbre que misturava o céu e o pecado. Foi ela quem fundiu o fervor do gospel com a rebeldia do blues, criando um som que transformaria a música popular para sempre.
Nascida como Rosetta Nubin em 20 de março de 1915, em Cotton Plant, Arkansas, ela cresceu em um lar profundamente religioso. Sua mãe, Katie Bell Nubin, era pregadora da Igreja de Deus em Cristo, uma das poucas denominações pentecostais que incentivavam as mulheres a se expressarem musicalmente. Foi ali, entre corais e sermões, que Rosetta começou a cantar e a tocar guitarra ainda criança, encantando fiéis com uma habilidade que parecia vir de outro mundo.
Nos anos 1930, mudou-se para Chicago, onde o blues fervia nas esquinas e o jazz nascia em clubes esfumaçados. Nesse caldeirão sonoro, ela ousou quebrar fronteiras: misturou o gospel com o som “profano” das ruas, atraindo tanto devotos quanto curiosos. Para muitos, aquilo era heresia. Para a música, era revolução.
Em 1938, gravou suas primeiras faixas pela Decca Records, incluindo “Rock Me” e “This Train” — canções que carregavam letras religiosas, mas uma energia visceral, marcada pelos riffs cortantes e o ritmo pulsante da guitarra. Rosetta não tocava como ninguém. Seu jeito agressivo, sincopado e distorcido antecipava o que o rock seria décadas depois.

Durante a Segunda Guerra Mundial, levou seu som para os soldados nos Estados Unidos e na Europa. Em 1944, lançou “Strange Things Happening Every Day”, considerada por muitos a primeira gravação de rock’n’roll da história, e também a primeira canção gospel a entrar nas paradas de R&B da Billboard.
Mas o que tornava Sister Rosetta verdadeiramente única era sua presença de palco. Com sua Gibson Les Paul branca em mãos, ela parecia canalizar o divino e o terreno ao mesmo tempo. Cantava com alma, sorria com ironia e fazia a guitarra gritar com uma fúria sagrada. Chuck Berry, Little Richard, Elvis Presley e Johnny Cash a citaram como influência direta — e com razão.
Mesmo assim, o racismo e o machismo da indústria musical apagaram seu nome das narrativas dominantes. Enquanto o rock se tornava símbolo da juventude branca nos anos 1950, a mulher que acendeu essa chama era deixada de lado, rotulada apenas como “artista gospel”.
Décadas depois, o tempo começou a corrigir essa injustiça. Em 2018, Rosetta Tharpe foi finalmente introduzida ao Rock and Roll Hall of Fame, na categoria “Influência Precoce”. Um reconhecimento tardio, mas merecido. Hoje, ela é celebrada como “A Mãe do Rock’n’Roll”, uma figura de devoção entre músicos e estudiosos.
Ouvir Sister Rosetta é entender que o rock nasceu dentro de uma igreja, e nas mãos de uma mulher negra que ousou atravessar o sagrado e o profano com a mesma guitarra. Sua história é mais que música: é resistência, fé e invenção.
Que seu nome nunca mais seja esquecido.











