Robert Smith e o luto que se tornou canção no novo disco do The Cure
- Marcello Almeida

- 27 de ago.
- 2 min de leitura
Quando a música respira, a dor encontra um lugar para existir

Robert Smith nunca fez da vida uma superfície leve. Sua obra, desde os primeiros passos do The Cure, foi sempre atravessada por sombras, pela beleza da melancolia e pela honestidade brutal de quem não teme expor fragilidades. Agora, décadas depois, essa sensibilidade se condensa em uma das faixas mais pessoais de sua trajetória: “I Can Never Say Goodbye”.
A canção nasceu da dor da perda de seu irmão, uma ausência que o empurrou para um terreno íntimo e devastador. Não é apenas uma música, mas um ritual de luto: um gesto de quem tenta dizer o indizível, de quem precisa transformar silêncio e lágrimas em algo que possa ser ouvido. Smith admitiu que cantar essa faixa é um desafio quase insuportável — não pela técnica, mas pelo peso emocional que ela carrega. Cada palavra parece exigir dele mais do que uma voz; exige entrega, memória, coragem.
Nesse processo, o vocalista buscou equilíbrio: não queria que a letra sufocasse a melodia, nem que a melodia diluísse a dor. Queria uma música que respirasse, que tivesse espaço para a vida e para a ausência, para a voz e para o vazio. E é justamente nesse respiro que “I Can Never Say Goodbye” se torna universal: todos os que já perderam alguém reconhecem o espaço deixado por quem não volta mais.
Smith também refletiu sobre como a passagem do tempo transforma nossa relação com a morte. Na juventude, ela pode ser romantizada, quase um gesto estético; mas quando invade a família, quando rouba os que amamos, ela se revela na sua dureza mais crua. O Robert Smith que escreveu este novo álbum não é o mesmo que entregou “4:13 Dream” em 2008. Há um outro homem ali, moldado por perdas, envelhecimento e consciência da finitude.
Songs Of A Lost World, lançado em 2024, é o primeiro álbum de estúdio do The Cure em mais de uma década. Mas, mais do que um retorno, ele soa como um acerto de contas com o tempo. Smith não apenas canta para seu irmão: canta para todos que ficaram, para todos que carregam o peso da ausência e ainda assim precisam seguir.
No fim, “I Can Never Say Goodbye” não é sobre dizer adeus. É sobre aceitar que algumas presenças nunca partem por completo — elas respiram, como a música, dentro de nós.















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