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'Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores': um sucesso atemporal de Geraldo Vandré, que fala sobre esperança e resistência

Conheça afundo a história de "Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores", uma das maiores músicas brasileiras de todos os tempos.



Em 1º de abril de 1964, muitos jornais e revistas daquele ano anunciavam nas manchetes uma nova mudança no poder. João Goulart, presidente do Brasil naquela época, era deposto e os militares assumiam o poder no lugar dele. “Marinha caça Goulart'' (Diário de Notícias do Rio de Janeiro), ''Jango no Rio Grande e Mazzilli empossado'' (Última Hora), ''Jango sai de Brasília rumo a Porto Alegre ou exterior: posse de Mazilli'' (Diário de Pernambuco) e “Congresso declara Presidência vaga: Mazzilli assume'' (Folha de São Paulo) foram algumas das muitas manchetes que anunciaram o acontecimento seja para manifestar a favor ou contra o golpe de Estado realizado. O Repórter Esso, um dos programas mais bem-sucedidos do Rádio no Brasil, foi censurado e esteve fora do ar neste dia.

 

Os militares ficaram no poder de 1964 até 1985; durante esse período, exerceram uma política extremamente ditatorial que influenciou na vida das pessoas, desde um pacato padeiro até uma humilde professora de educação infantil, e também pessoas ricas e artistas desse período. Houve muitas mortes, desaparecimentos e até torturas em pessoas que se manifestavam, seja a favor da democracia, contra o regime autoritário, ou simplesmente por fazer coisas que, na visão desses agentes, infringiam as normas que eles mesmos criaram. Entre as mais famosas, foi o AI-5, que foi responsável por decretar a censura, fechar o Congresso Nacional e cassar mandatos.

 

4 anos depois, no interminável ano de 1968 (como referência bem o escritor e jornalista Zuenir Ventura no livro “1968: o Ano Que Não Terminou”), foi realizado o III Festival Internacional da Canção e muitos nomes da música brasileira que hoje são exaltados e admirados estavam nesse evento, entre eles: Tom Jobim, Chico Buarque, Beth Carvalho, Marcos Valle e a dupla Cynara e Cybele, que faziam parte do grupo musical feminino Quarteto em Cy. Entretanto, entre todas as apresentações, o destaque foi destinado ao cantor e compositor paraibano Geraldo Vandré. Anos antes, em 1966, ele se consagrou com “Disparada”, que foi cantada e interpretada por Jair Rodrigues no Festival de Música Popular Brasileira, organizado pela TV Record. E agora, em 1968, ele voltava aos festivais com mais uma criação, e essa foi explosiva, pois se tratava de “Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores”.

 


Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores” é um dos grandes sucessos de Geraldo Vandré, que até o ano de 1968 havia lançado poucos discos e músicas arrebatadoras como “Porta Estandarte”, “Arueira”, “Fica Mal Com Deus”, "Disparada" e “Réquiem Para Matraga”, sendo essa última inspirada no conto “A Hora e a Vez de Augusto Matraga”, presente no livro “Sagarana” do escritor e diplomata mineiro João Guimarães Rosa, que virou filme em 1965 dirigido pelo cineasta paulista Roberto Santos.



Para a celebração musical que a TV Globo estava organizando, ele apresentou essa canção, que se tornou um hino para manifestar falas sobre esperança e resistência. Isso é extremamente sentido em seu refrão, que foi improvisado na apresentação do cantor no Festival, com os seguintes versos: “Vem, vamos embora/Que esperar não é saber/Quem sabe faz a hora/Não espera acontecer”. Mas também por manifestar militâncias e ideologias que dialogam com pacifismo, contextos sociais que ligam tanto os campos como as cidades, questionar a brutalidade das armas e manifestar a importância de uma luta marcada pela diplomacia. Isso é sentido de forma impactante no seguinte trecho: “Caminhando e cantando/E seguindo a canção/Somos todos iguais/Braços dados ou não”, que mostra o quanto a sociedade é plural, mas que somos todos iguais como cidadãos, porque todos temos objetivos comuns para fazer o mundo um lugar considerado bom para todos.

 

Após a apresentação, a canção ficou em segundo lugar no festival e pouco tempo depois foi censurada pelos militares. Ela só foi liberada anos depois. Enquanto que Geraldo Vandré foi perseguido e precisou fugir do Brasil. Ele chegou a morar no Chile e na Europa. Só voltou ao país em 1973 e desde então ele nunca mais voltou para a carreira artística, pois, segundo uma entrevista que ele fez para a Globonews em 2010, ele alega que não sofreu nenhuma tortura, mas também que não possui mais motivação para compor e fazer músicas novas. Atualmente, ele vive uma vida reclusa com sua família e longe dos holofotes.

 

Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores” é uma das maiores músicas brasileiras de todos os tempos, seja por gostos pessoais ou por listas feitas por revistas e sites como a Rolling Stone Brasil, a ponto de ela ter covers emblemáticos feitos por ilustres músicos como Luiz Gonzaga, Zé Ramalho, Simone, Ana Belén, Taiguara e a banda Charlie Brown Jr.


Sua sonoridade e sua letra ecoam de forma atemporal para lembrar que nenhuma ditadura deve ser aceita; se deve lutar por direitos e liberdades fundamentais; não se deve concordar com o autoritarismo e a censura; critica as armas e o nacionalismo exacerbado; e apresenta um olhar crítico para um período da história do Brasil, com o intuito de proteger direitos e garantias fundamentais conquistados, não desejar a volta de tempos opressores, e sermos testemunhas oculares da história, como bem fez o Repórter Esso nos anos em que ele esteve no ar, seja no rádio ou na televisão.



Ouça em áudio a apresentação de "Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores" no III Festival Internacional da Canção em 1968.




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