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Por que ainda ouvimos “Um girassol da cor do seu cabelo” 🖤

Há um sol que nunca se apaga, ele toca a pele quando o som começa

Lô Borges
Imagem: Divulgação

“Vento solar e estrelas do mar…” — há versos que parecem existir desde antes da gente nascer. Quando a canção começa, o mundo muda de ritmo: o tempo desacelera, e tudo ganha o tom de um sonho antigo. É difícil explicar o que acontece com quem ouve Um girassol da cor do seu cabelo, mas talvez seja isso, a alma se reconhecendo no som.



Lô Borges partiu, e com ele uma parte luminosa da música brasileira. Mas há artistas que não morrem; apenas se espalham pelaquilo que criaram. Lô sempre foi o retrato da leveza que a pressa não entende, o som da juventude que acreditava em beleza, da delicadeza que resiste ao ruído. Sua presença era discreta, mas seu legado é imenso: melodias que parecem suspensas no ar, como se tivessem sido compostas entre o céu e o chão de Minas.


Essa canção nasceu no coração do Clube da Esquina, em 1972, quando um grupo de jovens mineiros decidiu reinventar o Brasil pela música. Em meio à dureza da ditadura, eles criaram um refúgio de sensibilidade, um universo em que a ternura era também uma forma de resistência. “Um girassol da cor do seu cabelo” nasceu ali, entre violões, amizade e poesia, como quem acende uma luz num tempo escuro.


A letra é um delicado retrato do amor e da natureza. Lô e Márcio Borges desenharam sentimentos em imagens: “vento solar”, “estrelas do mar”, “terra azul da cor de seu vestido”. A mulher amada é traduzida em paisagem, corpo e natureza se confundem, criando uma sensação de eternidade. Há uma pureza quase infantil nesse modo de dizer o amor, uma doçura que atravessa o tempo sem envelhecer. O título da canção, por si só, já é uma metáfora luminosa: o girassol, flor que busca a luz, se torna símbolo da pessoa amada, daquilo que faz a vida se mover.


Mas o amor aqui também é dúvida, é instante. Nos versos “Você ainda quer morar comigo?” e “Você vem? Ou será que é tarde demais?”, o lirismo se encontra com a incerteza. A canção alterna entre a ternura do afeto e o medo da perda, entre o desejo e o tempo. E quando ele canta “Se eu cantar, não chore não, é só poesia / Eu só preciso ter você por mais um dia”, parece dizer que a música é o único lugar onde o amor ainda pode durar.


Tudo é leve, mas nada é superficial. Os arranjos de Eumir Deodato, sutis e etéreos, reforçam esse clima de sonho: o piano flutua, as cordas respiram, e a voz se mistura ao ar como se fosse parte da natureza. É o som do Clube da Esquina em sua essência, sofisticado e íntimo, popular e universal.



Com a morte de Lô Borges, o silêncio se tornou mais pesado, mas suas canções seguem iluminando. Porque o que ele nos ensinou vai além da música: é a coragem de ser sensível, de não desistir da beleza num mundo que insiste em esquecê-la. “Um girassol da cor do seu cabelo” continua viva porque fala do que nunca deixa de ser humano — o amor, a memória, a esperança.



E talvez seja por isso que ainda a ouvimos: porque ela nos lembra que a vida é feita de instantes que brilham, de amores que resistem, e de músicas que, mesmo quando terminam, continuam acendendo o sol dentro da gente.


Obrigado, Lô!!!



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