O álbum branco e a sombra do desencanto: por que George Harrison viu no disco dos Beatles seu momento mais deprimente
- Marcello Almeida
- 24 de jul.
- 2 min de leitura
Enquanto o mundo ouvia um clássico nascer, George Harrison ouvia o som do próprio silêncio ecoar dentro dos Beatles

George Harrison nunca escondeu que o White Album foi, para ele, o período mais sombrio da trajetória com os Beatles. Gravado entre maio e outubro de 1968, o disco duplo foi um marco de genialidade criativa — mas também um retrato de um grupo em fratura. E, para Harrison, que crescia como compositor e buscava espaço, foi um momento de frustração, isolamento e invisibilidade.
A sombra de Lennon e McCartney
O documentário Get Back (2021) ajudou a iluminar algumas dinâmicas internas da banda, mas a percepção de Harrison como “o Beatle menos ouvido” já era conhecida — e sentida. Apesar de estar amadurecendo musicalmente, ainda era tratado, muitas vezes, como o “guitarrista da base”, um papel herdado da adolescência e difícil de abandonar diante da força criativa e do ego de Lennon/McCartney.
O White Album escancarou esse desequilíbrio. Enquanto Lennon e McCartney assinaram 24 faixas do projeto, Harrison teve apenas quatro músicas incluídas — um contraste gritante com seu talento e ambição musical, que já pediam novos ares.
“Que se lixem, a canção é minha”
Cansado de ser ignorado, Harrison começou a tomar atitudes mais ousadas. Um dos momentos mais emblemáticos foi a decisão de chamar Eric Clapton para tocar guitarra solo em “While My Guitar Gently Weeps”, sem consultar os colegas.
A frase que disse a Clapton virou símbolo da rebeldia contida:
“Que se lixem, a canção é minha.”
Foi a primeira vez que um músico de fora tocou num disco dos Beatles — e um dos momentos mais intensos e respeitados do álbum.
Liberdade fora da caixa
Após o turbilhão criativo (e emocional) do White Album, Harrison respirou novos ares. Nos EUA, participou de sessões com outros músicos, colaborou com Jackie Lomax e saboreou uma liberdade artística que nunca encontrara dentro da bolha dos Beatles. Era como se, fora da caixa de ouro em que vivia, ele finalmente pudesse ser só um músico — e isso o fez florescer.
Mas o retorno à Inglaterra, às festas de fim de ano e à rotina dos Beatles — que culminaria no projeto Let It Be — trouxe de volta as “vibrações estranhas”. A sensação de estar encaixotado num papel antigo, sem espaço para crescer, o fez considerar o impensável: sair da banda.
Fim de ciclo, começo de verdade
Harrison chegou a abandonar os Beatles brevemente durante as gravações de Let It Be, antes de retornar para o lendário show no telhado da Apple Corps. Mas por dentro, ele já havia partido. Sua fase “deprimente” dentro da banda foi também o solo onde germinou sua verdadeira emancipação artística. Em 1970, lançou All Things Must Pass, seu primeiro álbum solo após o fim do grupo — um disco monumental, onde enfim teve o espaço que sempre mereceu.
Enquanto o White Album é lembrado como um dos ápices dos Beatles, para George Harrison ele foi, paradoxalmente, o fundo do poço — mas também o início do caminho para se tornar, de fato, um artista completo.
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