Iggy Pop no The Town: a fúria que não envelhece
- Marcello Almeida
- há 19 horas
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Alguns corpos nascem para desafiar o tempo. O de Iggy Pop é um deles

No dia 7 de setembro, o “padrinho do punk” mostrou no The Town que idade não é limite para quem transformou a própria vida em manifesto. Aos 78 anos, subiu ao palco entre latidos de cães e, em segundos, já havia rasgado o colete e jogado o público contra o próprio destino. O que se viu não foi um veterano em busca de reverência nostálgica, mas um performer que ainda acredita que um show deve ser risco, entrega e combustão.
Dos primeiros acordes de “T.V. Eye”, passando pela visceral “Gimme Danger”, até o hino incendiário “Search and Destroy”, Iggy parecia revisitar não apenas as músicas dos Stooges, mas também a gênese de uma atitude que moldou gerações. Seu corpo magro, trôpego e ainda indomável, chutava o ar, caía no chão, gesticulava de modo obsceno — e lembrava que o punk não nasceu para ser elegante, mas para ser verdadeiro.
A noite também foi feita de sutilezas. Em “The Passenger”, aquele refrão entoado em coro coletivo fez o festival respirar junto, como se a música, há décadas, fosse uma profecia cumprida ali, em São Paulo. Na cadência grave da voz, ainda intacta, estava a prova de que Iggy não sobreviveu apenas como lenda, mas como presença viva, pulsante, capaz de arrancar do público não só euforia, mas reverência.
Entre as canções, havia muito mais do que espetáculo: havia história. O mesmo artista que um dia mergulhou em multidões e dividiu vícios com Bowie hoje exibe sobriedade e ares de sobrevivente. E, ainda assim, não perde a fúria que o tornou ícone. Não é coincidência que Billie Joe Armstrong, do Green Day, o tenha chamado de “o mais extraordinário da história”. Iggy é confronto em carne viva.
Não foram necessários todos os sucessos para que a apresentação fosse arrebatadora. Faltaram “Candy” e “Real Wild Child”, mas sobraram faixas como “I Wanna Be Your Dog” e “Frenzy”, com direito a gestos indecentes e bancos arremessados. Sua banda, formada por músicos de peso como Nick Zinner (Yeah Yeah Yeahs), acompanhou cada movimento como quem testemunha um vulcão em erupção — solando guitarras, trombones e baterias que faziam jus à intensidade do mestre.
O final com “Louie Louie” teve clima de exorcismo: Iggy batendo no peito, agradecendo, saindo triunfante como quem sabe que sobreviveu ao impossível. Porque Iggy não é só músico; é corpo político, rito ancestral, encarnação de tudo o que o rock tem de mais selvagem e espiritual.
Eis a verdade: se o rock um dia morrer, será no dia em que Iggy Pop deixar de subir em um palco. Até lá, ele segue provando que ser punk é nunca envelhecer de fato — é desafiar o tempo com sangue nos olhos e cicatrizes no corpo.