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Hackney Diamonds: The Rolling Stones e sua força que não teme o tempo

Atualizado: 26 de out. de 2023

Primeiro álbum após a triste perda de Charlie Watts traz participações luxuosas, destaca um jovem produtor talentoso e é recheado de novidades preciosas após quase duas décadas

Ron Wood, Mick Jagger e Keith Richards, do The Rolling Stones, na fase atual, logo antes do lançamento do álbum 'Hackney diamonds''
Foto: Mark Seliger/Divulgação


Não dá para dizer que é o primeiro sem ele, porque a presença do lendário, elegante, cool e - por que não? - mais simpático integrante está lá garantida, pelo menos em duas faixas poderosas. A classe conhecida de Watts conduz o ritmo na dance "Mess It Up" e naquela que conseguiu, vejam só, a proeza de reunir uma formação dos velhos tempos, com Bill Wyman! Quem diria... Ou mesmo: quem esperaria tal reencontro, a essa altura? "Live By The Sword", que poderia talvez até se passar por suntuosa sobra de alguma sessão de 'Sticky Fingers' ou 'Exile On Main St', ainda conta com o piano majestoso de Elton John (que também colabora na intensa “Get Close”), outro velho amigo convidado para esta celebração um tanto inesperada por muitos.


'Hackney-Diamonds' é também o novo Stones concebido na era do streaming. Se considerarmos que o advento de 'A Bigger Bang' (2005) antecedeu o impacto na indústria fonográfica e no entretenimento musical em geral desencadeado com o lançamento do Spotify, este aqui apresenta um primeiro conjunto de canções próprias e inéditas já devidamente pensadas e destinadas às mais diversas plataformas modernas de audição. E aí entra um eficaz , astuto e hábil profissional com o tato apropriado para as conexões a serem estabelecidas entre a clássica pegada de atuação blues/rocker dos senhores do (agora) trio mais célebre do mundo e todos os mais variados aspectos que envolvem a música pop dos nossos dias como produto final consumido por um público que mal consegue largar o smartphone até na hora do banho.



Coube ao garotão de 33 anos Andrew Watt a responsabilidade de conduzir e arquitetar essa ponte, comandando a produção mais que oportuna para Mick Jagger e Keith Richards mostrarem que a parceria da dupla ainda mantém o mesmo poder consolidado historicamente, num meio em que grande parte das estrelas musicais não dita mais os rumos da carreira sem se apoiar nos artifícios propiciados por ferramentas do alcance global gigantesco como TikTok e Instagram. Cabe perfeitamente acrescentar em tal contexto que o próprio Jagger, inclusive, já deu sinais em algumas declarações de ser um entusiasta do streaming e da sua acessibilidade.


Nesse universo todo, Watt consegue dialogar com maestria não apenas com os descolados expoentes na condição de modernas revelações pop como também com alguns típicos dinossauros do denominado classic rock. Mas nunca é demais lembrar que os Stones fundaram o seu próprio planeta na Terra, sempre aberto e com todas as boas-vindas a potenciais habitantes fixos, visitantes dos mais variados, intrusos inclassificáveis (ou não) e quaisquer aliens aptos para adentrar os peculiares domínios anárquicos dessa instituição do rock 'n' roll.


A presença de Paul McCartney chega a ser tão surpreendente quanto a de Wyman. Com a legitimidade histórica, é fato mais que comprovado de que a arte necessita ao mesmo tempo, para o enriquecimento da sua linha do tempo, de tesouros perenes e inestimáveis como 'Revolver' e 'Let It Bleed'.


Será que tal oportunidade irreverente de tamanha benevolência ajudará a tornar um pouco sem efeito aquele persistente Fla-Flu na mente dos freaks e devotos radicais, no que diz respeito ao suposto antagonismo que fora inventado com relação ao Fab Four de Liverpool? Brincadeirinha à parte, "Bite My Head Off" se impõe como um dos momentos mais poderosos do álbum, aquela pedrada certeira e fácil que eles conseguem se divertindo num lugar qualquer, direta no alvo e ainda com o reforço da magnitude de um beatle incansável e genialmente teimoso. Esse é um petardo que se encaixaria perfeitamente num clássico dos mais vibrantes da discografia de discípulos como Cheap Trick ou Ramones. Tente imaginar isso ao vivo e uma certa aparição surpresa no palco. Pode acontecer.


O flerte com o novo (considerando a questão geracional), além da produção elogiada de Watt, se materializa também na preponderante voz de Lady Gaga. Para quem teve a benção de uma icônica lenda como Tony Bennett, ela se sente aqui perfeitamente à vontade - e em casa - para liberar sua autêntica carga emocional na bela "Sweet Sounds of Heaven". A impressão é que esse momento mágico não funcionaria com a mesma intensidade se fosse outra badalada diva contemporânea. A força da canção, com letra evocando uma oração que clama por conforto, paz e bem-estar, encontra a serenidade e o sustento mais que preciso nas mãos da (outra) lenda Stevie Wonder. Um encontro memorável, para coroar o êxito longevo da maior banda do mundo. Play me somethin', Stevie...


A imensa legião de admiradores dos Stones espalhada pelo mundo ainda sente o impacto da partida de Charlie Watts, afinal é um acontecimento triste e devastador um tanto recente no histórico da banda. Artisticamente, além da produção de um jovem visionário, talentoso e com a ousadia certa para o momento que o grupo vive, é possível arriscar na afirmação de que o trio conseguiu buscar certas forças e o devido amparo/reforço necessário para seguir (será este mesmo o último registro de inéditas da discografia?) nas baquetas de Steve Jordan, outro conhecido de longa data.


O baterista ajuda a integrar esse núcleo luxuoso de novidades que define a grandiosa capacidade de destaque do álbum. O cartão de apresentação de Jordan já vem como aquela porrada típica dos britânicos no ouvinte em "Angry", com notório riff envolvente e ritmo irresistível, tempero pop à maneira deles, hit predestinado a incendiar playlists das rádios e a engrossar o coro das plateias pelas arenas do mundo. A faixa que revelou a novidade de um novo lançamento dos Rolling Stones ganhou também um dos videoclipes do ano, estrelado pela atriz revelação Sydney Sweeney, uma das musas atuais das telas, consagrada em séries aclamadas por crítica e público como 'Euphoria' e 'The White Lotus'.



Mick e Keith souberam, como poucos, driblar os entreveros associados aos caminhos tortos do show business e escapar das armadilhas perigosas dessa estrada rock 'n' roll com todas as suas curvas, desvios e buracos. Mas assumiram também os papéis de bons gestores dessa espécie de marca que lhes deu grandeza histórica e invejável posto no ranking dos músicos mais bem-sucedidos financeiramente. Dois caras aproveitando o que o presente oferece, um dia de cada vez, sem esquecer de olhar para suas raízes, de onde vieram. São eternos meninos do blues. E, por falar nisso, foi uma sacada e tanto terem incluído "Rolling Stone Blues", a música que 'batizou' a banda, cover da lenda Muddy Waters, e que se posiciona como um desfecho perfeito para o disco, muito mais que simbólico. É uma faixa que poderia muito bem ter entrado naquela maravilhosa sequência de velhos clássicos regravados presentes no brilhante 'Blue & Lonesome', lançamento anterior, de 2016. Mas convenhamos que ela coube melhor aqui, nesse encerramento. E não se preocupem, integrantes do team Richards: o charmoso e invulnerável pirata não deixa de flertar com o microfone, como sempre.


A essa altura, a velhice já concedeu a percepção dos limites todos que o tempo e a vida determinam. A voz de Jagger ainda impressiona e foi muito bem explorada no trabalho de Andrew Watt. Isso é bastante notável na lindíssima balada "Depending On You", candidata à faixa mais emocionante do álbum. Uma das grandes músicas de 2023. O vocal segura aquele feeling todo ao qual tanto nos acostumamos a ouvir na privilegiada coleção de baladas da trajetória do grupo, que faz com que a canção se equipare à ótima e igualmente bonita "Out of Tears", por exemplo, que faz parte do marcante 'Voodoo Lounge' (1994), o álbum - não custa lembrar - cuja turnê os trouxe pela primeira vez para a nossa terrinha, em 1995.



'Hackney Diamonds' encara o tempo, mas não o teme e se beneficia das possibilidades que a vida ainda permite, embora demonstre alguma reflexão sobre um certo prazo que não se estenderá tanto. Aproveitemos. Os Stones são do nosso tempo. E esse tempo é agora!

 

'Hackney Diamonds'

The Rolling Stones


Ano: 2023

Gênero: Rock, Blues-Rock

Ouça: "Depending On You", "Angry", "Sweet Sounds of Heaven"

Humor: Energético, Confiante, Divertido

Pra quem curte: The Beatles, Bob Dylan, The Kinks


 

NOTA DO CRÍTICO: 9,0

 

Veja o clipe de "Angry":






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