Gordi: 'Our Two Skins', e o poder revigorante e terapêutico da música.
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Gordi: 'Our Two Skins', e o poder revigorante e terapêutico da música.



Sophie Payten cresceu em uma casa de católicos e sempre foi aconselhada a seguir carreira na Medicina. Sempre ouvindo para deixar seus interesses próprios para fazer o bem. Algo que significava ignorar suas dores e mágoas e se esconder do seu verdadeiro eu. Mas a artista enclausurada por trás dos ensinamentos bíblicos revelou para o mundo seu verdadeiro eu e sua verdadeira vocação para arte. Nativa da pequena cidade de Canowindra, Nova Gales do Sul, Sophie Payten é o nome da cantora conhecida artisticamente por Gordi. E é ela que está por detrás de um dos mais belos álbuns de Indie-Pop e Folk-Rock lançado no ano de 2020. Ao voltar novamente as atenções para 'Our Two Skin', nem parece assim que passou tanto tempo do seu lançamento, foi um dos melhores discos que eu ouvi naquele nem tão distante 2020, a obra melancólica e imutável de Sophie continua tão atual traduzindo perfeitamente os sentimentos que permanecem mais do que acesos nesse início de 2022. Um disco que lembra muito as paisagens sonoras do abundante Bon Iver, e já agrada nos primeiros instantes de audição, sendo possível perceber o talento e domínio de composição e voz envolvente e sedutora que a cantora possui.


'Our Two Skins', é seu segundo álbum de estúdio, e foi praticamente inspirado por desilusões amorosas, medos e incertezas que se fazem constantemente presente em nossas vidas, na dela não seria diferente. O sucessor do bonito e melódico 'Reservoir' de 2017, é marcado por canções pop que invadem o sentimentalismo e grudam na alma como se fossem uma doce e nostálgica elegia aos conflitos internos. A voz da cantora é um ponto estelar e bonito, um misto de emoções que transbordam em suaves notas piegas, marcantes e vibrantes. Surge das profundezas da alma. (vale até mencionar o ilustre Thom Yorke do Radiohead, mestre nesse quesito de cantar com a alma.) São detalhes e características que fazem desse disco uma viagem visceral pelas lacunas e vertentes do Indie-Pop, canções adocicadas que adoramos ouvir.


Gordi adota uma postura bem mais adulta e madura, uma compositora em plena consciência dos seus sentimentos e emoções. O novo trabalho não perde em nada para as camadas bonitas do disco anterior, pelo contrário, a cantora esbanja uma segurança em expor suas fragilidades, medos e anseios diante disso ela firma o caminho que pretende seguir com sua música. A médica que passou os últimos oito anos de sua vida dedicando-se a música e viu sua vida tomar rumos distintos e escalar fronteiras bem mais altas do que o mundo da medicina com seu disco de estreia, participando de grandes festivais como o Primavera Sound de Barcelona, 'Our Two Skin' pode muito bem ser o encontro catártico de tudo que ela vivenciou e superou nesses anos entre fazer música e atuar como médica cirurgiã e ver a Covid-19 se alastrar pelo mundo.


Aeroplane Bathroom” já chega abrindo a porta para proposta do disco, uma canção pop com toques de elegância e camadas de pura melancolia prontas para agraciar os mais apurados ouvidos. A cantora trafega por todos seus traumas, conflitos e aponta a direção que essa obra vai seguir: “Porque eu não consigo arrumar minhas coisas/Neste banheiro de avião/Eu me pergunto por que não me vi antes/Em luzes nuas e noites sem dormir/Estou tentando lembrar/Mas o conteúdo do meu peito está lá no chão”. Uma canção de arrepiar e inundar a alma com tamanho sentimentalismo. O equilíbrio perfeito entre melodias suaves e versos corajosos, os vocais limpos e adocicados de Sophie parecem mais com um abraço meigo e caloroso, contrastando com os mais variados ruídos ambientais espinhosos ao logo da canção.


A seguir embarcamos na eletrizante e dançante “Unready” e é necessário frisar como as canções trazem semelhanças aos primeiros discos do Bon Iver. A faixa aterrissa nos terrenos dos desalentos e desassossegos da alma: “Oh, o chão debaixo dos meus pés estava frio/Eu não estava te procurando/Estava à frente”. Como se a cantora fosse uma protagonista de uma cidade pequena e emergisse das próprias sombras para dizer todas as coisas não ditas, Payten demonstra ser uma mulher que gosta de estar sob o controle de sua vida e suas emoções, mas às vezes a redenção vem em formas de vulnerabilidades.


O álbum segue sua linha transitória e vai entregando uma canção mais bonita que a outra. Como diria no linguajar popular: “uma porrada atrás da outra”. É o caso da nostálgica e sincera “Sandwiches”, uma mistura saborosa de ritmos que conduzem a audição em perfeita harmonia. A cantora dedicou a canção a sua avó e pode muito bem ser a música que determina todas as emoções do álbum, escolhida para ser a alma e coração de 'Our Two Skins'.

A cantora consegue transitar em vários terrenos e se aproximar cada vez mais de um variado público. Essa dualidade torna o trabalho mais minimalista e simplista. As canções soam com naturalidade. Não tem aquela coisa forçada. Aqui tudo é muito bem trabalhado e bonito de ouvir.

Quando você chega em “Radiator”, já se encontra totalmente submerso nas ambientações e atmosferas induzidas pela cantora, uma faixa suave, bonita levada por notas de pianos incrivelmente, cativantes, detalhe que favorece e proporciona o espaço certo para voz de Gordi crescer a cada nota tocada. A canção disserta sobre um amor que não pode ser retribuído. Em certos momentos você pode se ver pensando no mundo melódico do saudoso Elliott Smith, além do já mencionado Bon Iver.


Outro ponto a destacar na obra da cantora são os elementos eletrônicos empregados de formas harmoniosas com as guitarras. Como se fizesse parte de um processo fragmentado que agem como uma introdução para dar vida as canções, o disco contou com a co-produção de Chris Messina (Hand Habits, Bon Iver) e Zach Hanson (Owen, S. Carey), isso pode explicar a sonoridade minimalista e profunda do disco. O conjunto de elementos eletrônicos com guitarras e sintetizadores constroem a base para a cantora explorar os limites de sua obra e voz. Algo que vem sendo trabalhado desde seu primeiro álbum. Aqui ela consegue contextualizar tudo com uma elegância e maturidade plausível de muitos elogios. É daqueles discos seletos que vão ganhado formas, cores e crescem a cada audição.


Our Two Skins é um álbum ousado, verdadeiro e belo. Ouça a enternecedora “Look Like You” e tire as próprias conclusões. Uma obra sinfônica arquitetada nas lápides da melancolia. Aquele álbum para ouvir ao cair da noite, sozinho trancado em seus próprios pensamentos. É uma obra que consegue canalizar toda euforia, ansiedade e confusão em uma mente acolhida em dias de pura solidão. A cantora se revela para o mundo e compartilha com ouvinte emoções oriundas da trajetória de sua vida. Um álbum temático sobre abandonar o casulo e mostrar para o mundo o seu verdadeiro eu. Canções confortantes para serem ouvidas e reouvidas nesses dias que parecem não ter fim. Se entregue aos sentimentos que surgem assim do nada, perca o controle, abandone a razão mesmo que seja por instantes, é o que propõe a linda e climática "Free Association" onde ela disserta sobre o amor que pode surgir de longas conversas pelo telefone. "É perigoso amar você como eu te amo?"

 

Ficha Técnica:

Our Two Skins

Artista: Gordi

Data de Lançamento: 26 de junho de 2020

Gênero: Indie Rock, Folk e Indie Pop

Ouça: "Aeroplane Bathroom", "Sandwiches" e "Free Association"

Para quem gosta de: Bon Iver e Elliott Smith

Nota: 8,0

 

Ouça no Spotify:



















 

Veja o vídeo de "Sandwiches"


 

Sobre Marcello Almeida

É editor e criador do Teoria Cultural.

Pai da Gabriela, Técnico em Radiologia, flamenguista, amante de filmes de terror. Adora bandas como: Radiohead, Teenage Fanclub e Jesus And Mary Chain. Nas horas vagas, gosta de divagar histórias sobre: música, cinema e literatura. marce.almeidasilvaa@gmail.com

 

Texto original publicado no site Urge!



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