Ferrari, de Michael Mann, imprime a imagem de um homem sombrio e frio por trás de todo seu sucesso e glamour
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Ferrari, de Michael Mann, imprime a imagem de um homem sombrio e frio por trás de todo seu sucesso e glamour

Um dos primores do filme é sua fotografia, que consegue caracterizar o realismo de época.

Cena do filme Ferrari de Michael Mann com Adam Driver
Imagem: Reprodução.


Michael Mann consegue pisar fundo entre a adrenalina da velocidade e o drama conflituoso de um homem dividido entre a sede de vitória e sucesso nos negócios e o seu conturbado casamento, marcado pelo luto e outros amores. Ferrari narra um período importante e decisivo para a história de uma das marcas mais cobiçadas do automobilismo.


Em 1957, Enzo Ferrari (Adam Driver) vive uma fase amplamente difícil: a empresa à beira da falência, seu casamento com Laura (Penélope Cruz) vai de mal a pior, as pressões de Henry Ford para comprar a Ferrari visando as corridas de Fórmula 1. Em meio a essa maré de turbulências, ele decide investir tudo em uma última cartada, a traiçoeira corrida de 1.600 quilômetros pela Itália, a icônica Mille Miglia.


Diante disso, temos no filme de Mann um homem de duas faces: a primeira, a imagem cobiçada e aclamada pela Itália; e a segunda, um homem tentando lidar com suas incertezas e inseguranças, lutando constantemente com seus demônios, tanto em sua relação com Laura quanto com sua amante, Lina Lardi, interpretada nas telas por Shailene Woodley, e sua ambição pelo carro perfeito e veloz. Enzo nunca se dava por satisfeito; sempre estava buscando um ponto a mais, seja na arquitetura e motor dos carros ou na constante busca pela volta mais rápida do circuito, sempre colocando seus pilotos à beira do desastre.



Por falar em pilotos, o brasileiro Gabriel Leone faz parte do time de Enzo, embora tenha uma participação não tão significativa. Mas isso é uma característica em Ferrari: Michael Mann foca sua trama em Enzo e Laura. Por mais que o roteiro de Troy Kennedy Martin peque em alguns detalhes, deixando pontas soltas aqui e ali, o longa consegue se sustentar e manter seu ritmo consistente, dando ênfase aos detalhes, sejam eles nos preparativos e planejamentos de cada corrida ou na vida pessoal e profissional de Enzo. Isso é um ponto positivo do capítulo da história que Michael Mann deseja contar; por mais que você não conheça nada sobre quem foi Enzo Ferrari, o filme acaba dando uma pincelada e tornando tudo mais esclarecedor. Lembrando que o longa é baseado no livro 'Enzo Ferrari: O Homem, os Carros, as Corridas’, escrito por Brock Yates em 1991.



E, por mais que não seja o seu melhor filme dentro de sua filmografia, Ferrari marca o retorno de Mann como diretor após oito longos anos longe das câmeras; seu último longa havia sido Hacker, de 2015, filme que narrou o caso real do vírus Stuxnet. Nesse meio tempo, ele se envolveu em projetos como produtor em filmes como Ford vs Ferrari e Inimigos Públicos. O desejo de Mann de fazer um filme sobre Enzo já vinha de longos tempos. A ideia inicialmente surgiu no começo dos anos 2000, tendo Christian Bale e Hugh Jackman cotados para assumirem o papel de Enzo. Porém, o projeto foi interrompido e sendo retomado em 2022, com Adam Driver assumindo o papel principal.


Outro primor do filme é sua fotografia comandada por Erik Messerschmidt, que consegue imprimir o realismo de época, trazendo para o espectador aquela brisa nostálgica e fascinante de como eram as corridas de Fórmula 1 nos anos 50: os carros e seus roncos de motores, pistas, mas não somente isso. Mann tem o devido cuidado de retratar a Itália e seus lindos cenários, campos e igrejas. Por sinal, tem uma cena icônica e sensacional na igreja e um concerto de ópera que caracterizam perfeitamente o Barroco italiano.



As atuações de Driver e Penélope são cirúrgicas. Driver consegue exorcizar o trauma com sotaque vivido em Casa Gucci de 2021; ele apresenta um Enzo frio, calculista e disposto a tudo para alcançar seus objetivos. Além de conseguir entregar o Enzo que Mann queria mostrar e caracterizar em seu filme: o homem por trás de seu glamour e sucesso que ficou conhecido como Comendador. Contudo, o personagem de Adam é sombrio, algo também reforçado pelo tom de cores utilizados no filme, deixando aquela ideia de que o cineasta não estava muito afim de direcionar as atenções para os efeitos nas pistas e a elegância da marca Ferrari, e sim elencar um momento de turbulência e crise na escuderia italiana. Por falar em efeitos, tem uma cena em especial envolvendo um acidente na pista, onde o CGI é muito questionável, para não dizer ruim, mas isso é apenas um detalhe e não tira a atração e sedução instaurada pela narrativa.


Penélope Cruz esbanja talento com toda sua desenvoltura. Se Adam é o ponto sombrio e frio do longa, ela é o combustível para impulsionar a trama, uma atuação que rouba a cena toda vez que ela aparece. E também não deixa de ser um ponto representativo da força feminina em um cenário amplamente dominado por homens, como o do automobilismo. Em muitos momentos, é difícil ficar indiferente diante de tamanha dor, tristeza e força que emana de Penélope.


Entretanto, Shailene Woodley parece mais perdida na trama e não consegue se encaixar no mesmo ritmo de Cruz; uma atuação que poderia ter sido melhor aproveitada e aprofundada pelo roteiro. A todo momento, ela fica entre Cruz e Driver, mas não entrega a mesma intensidade. As cenas de Enzo com ela são bem frias e monótonas, diferente de quando temos em questão Enzo e Laura. A química é outra, totalmente diferente.



O filme garante bons momentos de drama e adrenalina, possui suas falhas e defeitos, mas não deixa de ser um capítulo interessante sobre a personalidade imperfeita de um homem desafiador que construiu um império do nada em uma Itália ainda vivendo os efeitos da Segunda Guerra Mundial. Ferrari, com tudo, é aquela obra que vai despertar emoções e nostalgia em aficionados por Fórmula 1 e naquele público menos ligado ao esporte. Em alguns momentos, o longa é capaz de restabelecer lembranças daqueles domingos onde o saudoso Ayrton Senna era sinônimo de alegria e tinha como um dos seus desejos encerrar sua carreira em um carro da Ferrari. O longa de Mann ainda implanta o desejo de saber mais sobre os eventos que aconteceram após o desfecho do filme.


Ferrari entra para a lista das obras injustiçadas pelo Oscar e não deixa de ser um ótimo ponto para conhecer um pouco mais da história de Enzo e um dos carros mais cobiçados por apaixonados por velocidade, charme e glamour.

 

Ferrari

Ferrari


Ano: 2023

Direção: Michael Mann

Roteiro: Troy Kennedy Martin

Elenco: Adam Driver, Penélope Cruz, Shailene Woodley, Gabriel Leone

Duração: 130 min

País: EUA



 

NOTA DO CRÍTICO: 8,0

 

TRAILER:




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