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As minhas cinco obsessões musicais de 2025, parte 2

Nosso time de redatores escolheu cinco álbuns que bateram mais forte neste ano. Nesta parte dois, vamos conhecer as cinco obsessões musicais de Marlons Silva.

Yasmine Hamdan
Yasmine Hamdan. Imagem: Reprodução

Tem gente que escuta música para preencher o silêncio. Marlons, não. Marlons escuta para atravessar o silêncio, para encontrar nele o que ainda não tem nome, o que vibra no intervalo, o que só a arte revela quando ninguém está olhando.



Seu 2025 foi um desses anos em que os discos funcionam quase como bússolas emocionais. Não são álbuns escolhidos ao acaso; são pequenos territórios de sensação. O impacto físico do Turnstile, a ironia lúcida da Wet Leg, a névoa imersiva de Maria Somerville, a delicadeza melancólica de Lily Allen, a memória fragmentada de Yasmine Hamdan — tudo parece apontar para um mesmo gesto: o desejo de entender o mundo pela textura do som.


Por isso, quando Marlons escolhe cinco discos, ele não está só montando uma lista. Está revelando um mapa afetivo, um traço do próprio ano, um rastro de percepção que ficou.


Estas são as cinco obsessões musicais de Marlons Silva em 2025.


  1. Turnstile – “NEVER ENOUGH”

Turnstile – “NEVER ENOUGH”
Imagem: Reprodução

Na lista dos shows de 2026 mais aguardados por aqui, o quinteto de Baltimore consolidou com maestria os avanços e a ousadia criativa presentes no ótimo “GLOW ON” de 2021. Pode-se dizer que a  faixa-título, com seu misto de beleza e peso, funciona como uma  ‘Smells Like Teen Spirit’, prenunciando a tônica predominante no decorrer do álbum. A paulada certeira de ‘BIRDS’ alia a urgência do Black Flag àqueles riffs arrastados do Helmet nos anos 90. O vocalista Brendan Yates acerta – muito -também na produção.


Turnstile expande as inovações de seu (pós?) hardcore, flertando espontaneamente  com synth, camadas etéreas, grooves irresistíveis (atenção no baixo de Franz Lyons) e até Sting/The Police. Em mais um ano de relevante domínio feminino na música, é importante destacar a presença enriquecedora da guitarrista Meg Mills.


 

  1. Wet Leg – “moisturizer”

Wet Leg – “moisturizer”
Imagem: Reprodução

2025, sem dúvida, foi o ano de Rhian Teasdale e Hester Chambers, a formidável dupla à frente da banda britânica mais comentada da atualidade. “moisturizer” vai muito além da quebra do histórico paradigma desafiador do ‘segundo álbum’ da discografia. É a afirmação convincente de uma banda que dialoga com o seu tempo, se impõe sem a mácula das concessões do pop fast food e traz simultaneamente aquele certo frescor, inquietude e irreverência que pareciam perdidos em alguma fresta intransponível de algum passado aí.


Rhian se assume apaixonada, convicta, corajosa e expõe invejáveis autenticidade e autonomia, seja colocando machos desavisados e folgados em seu devido lugar (‘catch these fists’) ou aderindo à doçura nostálgica em ‘davina mccall’. “moisturizer” está aí para deixar bem nítido que o rock ainda pode ser provocador, divertido, subversivo, em canções memoráveis e atitude que se distancia de artifícios banais.


 

  1. Maria Somerville – “Luster”

Maria Somerville – “Luster”
Imagem: Reprodução

Das inspiradoras e belas paisagens do oeste da Irlanda, surgiu o belíssimo “Luster”, segundo álbum da cantora, compositora e apresentadora de programa de rádio (!) Maria Somerville. Um trabalho permeado pela exaltação à vida simples, distante do caos urbano, à aproximação com a natureza e à sensação de pertencimento oriunda do convívio em comunidade, da colaboração mútua e do compartilhamento de experiências entre pessoas próximas.


A sonoridade passeia com desenvoltura mágica pelo folk intimista, percorre por caminhos sustentados no sólido legado do pós-punk juntamente com o pop experimental, indo de encontro às atmosferas instigantes e peculiares proporcionadas pela herança shoegaze de Chapterhouse e My Bloody Valentine.


O canto sussurrado, doce e afável de Somerville é uma benesse celestial em tempos de incertezas das mais diversas. Lindas canções como ‘Projections’, ‘Garden’ (grande destaque de “Luster”) e ‘Up’ exemplificam bastante o verdadeiro acalento sonoro dessa brilhante artista irlandesa que merece bastante atenção.

 



  1. Lily Allen – “West End Girl”

Lily Allen – “West End Girl”
Imagem: Reprodução

Em um ano no qual as grandes estrelas do primeiro escalão do pop – Miley Cyrus, Lady Gaga, Taylor Swift – lançaram bons álbuns, eis que uma notável inglesa ressurge inesperadamente após considerável período de ausência e surpreende com um dos trabalhos mais poderosos, honestos e cativantes. É notório que relacionamentos rompidos motivaram históricas criações nas mais variadas expressões do universo artístico.  Além da qualidade sonora facilmente perceptível, “West End Girl” traz a manifestação de força da cantora que, após praticamente duas décadas, mantém certa trajetória sem jamais deixar que exposições exacerbadas se sobreponham à autenticidade que sustenta a construção de sua carreira no cenário musical.


O que poderia ser um prato cheio para fomentar escândalos midiáticos de toda espécie hoje em dia e qualquer fragmento de sensacionalismo moderno nesta era de posts ultrarrápidos e reações imediatas e esquecíveis, se tornou ferramenta nas mãos (e, claro, na  bela voz) dela da melhor forma e maneira viáveis para lidar com um fato tão pessoal e particular, de efeito vulnerabilizador, impactante e transformador. E aqui as canções de Allen dão conta tão bem disso que a audição não traz o ouvinte para uma imersão desconfortável e amarga.


Muito pelo contrário, o que se tem é uma sucessão de faixas deliciosamente pop de total respeito, como ‘Ruminating’, ‘Madeline’ (entenda como um recado direto para quem a carapuça servir), ‘Relapse’ e aquela que entra fácil na lista das melhores músicas de 2025, a vibrante e irresistível ‘Pussy Palace’. “West End Girl” é resultado de uma Lily mais linda do que nunca, fortalecida e ditando os rumos de seu percurso de cabeça erguida, sem precisar provar nada a ninguém.    

 


  1. Yasmine Hamdan – “I Remember I Forget”

Yasmine Hamdan – “I Remember I Forget”
Imagem: Reprodução

Essa admirável cantora nascida em Beirute e radicada em Paris não pode ser considerada uma “revelação”, tendo em vista que já possui um bom tempo de trajetória. Porém, conhecer o seu trabalho resulta muito bem no significado de uma valiosa descoberta, daquelas mais instigantes, modernas e estupendas. “I Remember I Forget” traz o canto envolvente e hipnótico de Hamdan em meio a camadas e atmosferas que podem lembrar belas incursões  nos assombros arrebatadores de um Massive Attack, por exemplo.


Parceira musical de longa data do francês Marc Collin (Nouvelle Vague), que é o coprodutor do álbum, a cantora libanesa flerta com o experimentalismo, trazendo para o universo pop/alternativo a riqueza sonora característica e singular da música árabe. A tradição contempla o presente (ou seria o futuro?) na sua música. Yasmine explora os sons do ocidente, sem jamais se desvincular de suas origens, sendo que os conflitos, as incertezas políticas e a destruição – em todos os níveis – de um povo e de suas terras ecoam nas canções, em um apelo vivo, com ardor, numa junção de melancolia e esperança, dor e persistência. 


A voz magnética já persuade sutilmente na fulgência de ‘Hon’ na abertura, em que a iminente concretização da finitude é abordada, com a inquietude da tristeza e da impotência perante o caos (mostrado globalmente nas variadas telas de dispositivos) encontrando a beleza do alento proporcionado pela desenvoltura melódica. Em seus quase 40 minutos, este álbum parece ter certo poder de materializar aquele precioso objetivo de uma busca incessante, o mesmo que grande parte do mundo cada vez mais exibe sinais de já ter perdido o interesse humano em encontrar.



 

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