35 anos sem Cazuza: a vida urgente de um poeta em chamas
- Marcello Almeida
- 7 de jul.
- 2 min de leitura
“A minha música é uma ideologia: minha cara, meu retrato, minha imagem e semelhança.”

O tempo não para. Mas hoje, ele estanca por um instante. Respira fundo. E lembra: há exatos 35 anos, o Brasil se despedia de Agenor de Miranda Araújo Neto — o Cazuza. Era 7 de julho de 1990 quando o país perdia não apenas um dos maiores nomes da música, mas um corpo em ebulição, um coração em carne viva, uma voz que cantava como quem grita por dentro. Morreu jovem, sim. Mas viveu mais do que muita gente que passa por aqui anestesiada.
Cazuza não foi feito para o silêncio. Era verbo, víscera, contradição. Filho de João Araújo, executivo da indústria fonográfica, ele poderia ter seguido pelo caminho mais fácil. Mas escolheu romper, arrebentar cercas, cuspir verdades. Na linha de frente do Barão Vermelho, escreveu hinos como “Pro Dia Nascer Feliz”, “Bete Balanço” e “Maior Abandonado” — trilha sonora de uma geração bêbada de liberdade recém-conquistada. Depois, em carreira solo, mergulhou ainda mais fundo na sua própria alma, escrevendo com sangue e suor faixas como “Ideologia”, “Brasil” e “O Tempo Não Para”.
Cazuza não cantava: sangrava. Era frágil e arrogante, doce e debochado, inconsequente e lúcido — tudo ao mesmo tempo. Não cabia em rótulo nenhum. E talvez por isso nos caiba tanto. Suas letras não envelheceram. Porque verdade não tem prazo de validade. Ele era crônica e crítica, romance e revolta, desejo e desespero. Tudo que sentia virava palavra. E cada palavra virava espelho.
Foi também um dos primeiros artistas a falar abertamente sobre o HIV num Brasil que ainda escondia seus doentes como se fossem culpa. Expôs sua condição com coragem, desafiou o preconceito e enfrentou a morte de frente — sem maquiagem, sem disfarce, sem se calar. Transformou o fim em poesia. O corpo em manifesto. A doença em arte. “A burguesia fede”, ele gritava. Mas era de amor e verdade que ele vivia.
Cazuza morreu com 32 anos. Mas ainda está vivo em cada verso que arde, em cada jovem que se recusa a abaixar a cabeça, em cada artista que prefere a inquietação à zona de conforto. Porque, no fim das contas, viver como ele viveu é coisa rara: com tesão, com urgência, com ferida aberta, sem medo de errar.
Trinta e cinco anos depois, ainda ouvimos sua voz entre os ruídos do país que ele tanto amou e tanto questionou. E nos perguntamos: que Brasil Cazuza escreveria hoje? Que raiva ele cantaria? Que amor ele berraria?
A resposta talvez esteja no que ele deixou: uma discografia imensa em intensidade, uma coragem que ainda incomoda, e uma alma que ninguém conseguiu apagar. Cazuza continua aí — onde pulsa o risco, onde a arte é sincera, onde ainda se vive como se fosse morrer amanhã.
Porque, como ele mesmo disse, “o tempo não para”.
Mas a memória de Cazuza também não.
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