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Stranger Things se despede: a série que cresceu com a gente e transformou saudade em memória coletiva

Antes mesmo do fim, a saudade já existe

Stranger Things 5
Imagem: Reprodução/Netflix

O encerramento de Stranger Things, neste 31 de dezembro de 2025, chega acompanhado de um sentimento curioso e profundamente humano: a saudade antecipada. Milhões de fãs, espalhados pelo mundo, já sentem esse vazio, cada um no seu próprio Mundo Invertido. Porque quando uma série atravessa quase uma década da nossa vida, ela deixa de ser apenas ficção. Ela vira companhia.



Esse talvez seja o ponto mais sensível, e mais poderoso, de Stranger Things. A série nunca falou apenas de monstros, portais ou ameaças sobrenaturais. Ela falou de pessoas. De fragilidades. De dores silenciosas. De vínculos que salvam. Cada espectador encontrou um espelho ali dentro. Uns se viram no isolamento da Eleven. Outros na lealdade quase inabalável do Mike. Na sensibilidade deslocada do Will. Na coragem improvável do Dustin. No processo de amadurecimento da Max. Ou até nos adultos quebrados, tentando fazer o melhor que conseguem.


Stranger Things funciona porque permite identificação. Porque reconhece que todos nós carregamos algo não resolvido. Um medo antigo. Uma sensação de não pertencimento. Uma batalha interna acontecendo longe dos olhos dos outros. Cada personagem tem seu próprio mundo invertido, e isso conversa diretamente com a nossa experiência cotidiana.


A saudade que já se instala não é apenas da história, mas do tempo vivido com ela. Dos episódios esperados. Das teorias trocadas. Das músicas redescobertas. Das referências reconhecidas. Daquela sensação coletiva de assistir algo que parecia falar exatamente com o momento que estávamos vivendo.


A cultura pop dos anos 80 — Os Goonies, E.T., Conta Comigo, o terror de Carpenter, a ficção científica de Spielberg — nunca esteve ali apenas como homenagem. Ela funcionou como ponte emocional. Como linguagem comum entre gerações. Pais, filhos, adultos e jovens encontraram ali um território compartilhado. Um espaço seguro de memória, descoberta e afeto.


E a música, mais uma vez, selou tudo isso. Em Stranger Things, a trilha nunca foi fundo sonoro. Ela sempre foi sentimento explícito. Quando Running Up That Hill volta ao centro da cultura, não é por nostalgia vazia — é porque a música traduz algo que palavras não alcançam: o desejo de trocar de lugar com quem amamos, de aliviar dores, de sobreviver. A música, ali, conecta mundos. Como a própria série.


Stranger Things 5
Imagem: Reprodução/Netflix

Além de Kate Bush, a série reconectou gerações a artistas que ajudaram a moldar o imaginário afetivo do público. The Clash surge carregando urgência e espírito juvenil; Metallica aparece como rito de passagem, barulho e catarse, e marca um dos personagens mais emblemáticos da série, Eddie Munson, muito bem vivido por Joseph Quinn.


The Beach Boys traz o contraste entre leveza e melancolia; Queen reforça a grandiosidade emocional e o senso de união.. Cada escolha musical é cirúrgica: não entra para ilustrar a época, mas para traduzir sentimentos, estados de espírito e conflitos internos dos personagens. Em Stranger Things, a música sempre age — ela empurra a narrativa, cria empatia e, muitas vezes, diz aquilo que os personagens não conseguem expressar.



E existem aquelas músicas que nem precisam de letra para dizer tudo. A abertura de Stranger é um desses casos raros. Aquele instrumental sintético, hipnótico, não apenas anuncia a série — ele cria um estado de espírito. Em poucos segundos, somos transportados para outro tempo, outra sensação, outro lugar emocional. As letras vermelhas se formando lentamente na tela, deslizando umas sobre as outras, evocam capas de livros de Stephen King, pôsteres de cinema dos anos 80, locadoras de bairro, noites silenciosas diante da TV. Não é só uma abertura: é um ritual.


Esse cuidado estético e sensorial se espalha por toda a série. Ao longo das temporadas, Stranger Things costura seu universo com uma curadoria musical precisa e afetiva. Kate Bush, The Clash, Metallica, The Beach Boys, Queen — e tantas outras vozes que atravessam décadas — não entram em cena por acaso. Cada música age como extensão emocional dos personagens, traduzindo sentimentos que muitas vezes não cabem no diálogo. Em Hawkins, a música nunca foi coadjuvante. Ela empurra a narrativa, cria empatia, conecta mundos.



Esses detalhes — o som da abertura, o brilho vermelho das letras, a música que surge no momento exato, ajudam a explicar por que a saudade já se instala antes mesmo do fim. Porque não sentimos falta apenas da história ou dos personagens, mas dessas pequenas experiências sensoriais que se repetiram ao longo dos anos e passaram a fazer parte da nossa própria vida. O primeiro acorde já reconhecível. A tipografia familiar. A sensação de voltar para casa.


Talvez por isso a despedida doa. Porque Stranger Things ensinou, sem didatismo, que crescer envolve perda. Que amadurecer exige despedidas. Que nada fica intacto, mas tudo deixa marcas. As crianças cresceram diante de nós. Nós também mudamos. E essa trajetória compartilhada cria um vínculo raro.


O fim chega, mas não apaga o caminho. Hawkins continua existindo como lugar simbólico. Como memória afetiva. Como aquele ponto no tempo em que amizade era escudo, e segurar a mão de alguém no escuro fazia toda a diferença.


No fim, Stranger Things se despede como viveu: falando sobre nós. Cada um no seu mundo. Cada um com seus monstros. Mas nunca completamente sozinho. A série entendeu algo essencial sobre a cultura pop: ela vive de memória, de repetição, de símbolos que criam pertencimento. E quando tudo isso se despede, não fica o silêncio. Fica o eco, insistente, afetivo, impossível de ignorar.



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