Por que ainda ouvimos Every Breath You Take, do The Police?
- Marcello Almeida
- há 17 horas
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A melodia é suave, quase hipnótica. A produção é limpa, polida, fluida. Mas por trás disso...

Porque existem músicas que soam como amor — mas falam de outra coisa. Falta. Obsessão. Controle disfarçado de cuidado. A gente ouve Every Breath You Take desde sempre, quase como uma balada romântica. Mas, na verdade, ela fala de uma ausência que virou vigília. De um amor que, quando termina, se transforma em fixação.
Lançada em 1983, no disco Synchronicity, a canção foi escrita por Sting durante o período conturbado de seu divórcio. O que parecia ser uma declaração apaixonada, na verdade, é um retrato sombrio de alguém que não consegue aceitar o fim. O verso “Every move you make, every step you take, I’ll be watching you” não soa mais como afeto — soa como uma sentença. Como alguém que se recusa a deixar o outro ir.
A repetição obsessiva de I’ll be watching you não é sobre presença, é sobre posse. E quando ele canta Can’t you see? You belong to me, a máscara cai. Não é sobre amor, é sobre controle. Sobre alguém que acredita que o outro ainda lhe pertence, mesmo depois do fim.
E é justamente esse contraste que torna a música tão inquietante. A melodia é suave, quase hipnótica. A produção é limpa, polida, fluida. Mas por trás disso, existe um conteúdo tenso, denso, que fala da dor que não sabe ser silêncio. Do vazio que tenta preencher o outro com a própria sombra.
É uma canção sobre desespero disfarçado de romantismo. Sobre o momento em que o amor deixa de ser ponte — e vira prisão.
Sting mesmo já disse que considera a música “maligna” e “sinistra”. E isso faz todo sentido. Porque Every Breath You Take não é uma canção de reconciliação. É uma confissão. Um desabafo amargo. Um retrato do que sobra quando o amor vai embora e a pessoa não consegue se reconstruir sozinha. A faixa quase foi parar na lata de lixo e foi salva graças à intervenção do guitarrista Andy Summers. Já imaginou? A galinha dos ovos de ouro na lata de lixo.
O tempo passou, o The Police chegou ao fim, Sting seguiu em carreira solo — e a música continuou tocando. Em casamentos, em trilhas, em rádios. Mas cada vez que ela volta, quem ouve de verdade sente o incômodo. Porque, no fundo, a gente sabe: aquilo não é saudade bonita. É apego mal resolvido. É o tipo de amor que não se transforma — só vigia.
A gente ouve Every Breath You Take porque ela revela o que muitos escondem: que tem relações que acabam, mas deixam um rastro. E tem pessoas que não sabem simplesmente ir embora. Ficam ali. Observando. Mesmo de longe. Mesmo sem serem vistas.