Do samba ao rock, listamos os melhores discos nacionais de 2022.
Se os anos anteriores foram sobre superação, então o ano de 2022 foi quando a música prosperou novamente. Eventos e festivais retornaram em grande parte do mundo, e a música foi mais uma vez experimentada de maneira pessoal e íntima por cada um de nós. Listas tendem ser injustas, mas é chegado aquele momento de destacar os melhores discos do ano, e começaremos com a música brasileira, que teve um ano prolifero e de ótimos lançamentos. Uma verdadeira salada sonora entre a MPB, Samba, Rock, Indie e Bossa Nova.
Bandas como Wry e Planet Hemp, que fizeram seus grandes retornos para o cenário musical brasileiro, produzindo alguns dos seus trabalhos mais vigorosos e precisos para este fatídico 2022. Terno Rei trouxe boas vibrações e melodias de grudar na alma com seu ‘Gêmeos’. Outros pareciam ter atingido seu auge criativo: Gabriel Ventura ultrapassou limites, Ratos de Porão se tornou um clássico punk potente com ‘Necropolítica’ e Criolo traduziu muito bem a vida nesse período em seu harmonioso e bonito Sobre-Viver.
A música teve (tem) sua relevância e suma importância em nossas vidas. A cultura, a arte e a música tornam a vida melhor, nos fazendo acreditar em dias melhores e buscar nossa essência e paz. Muitos desses discos contribuíram para tornar este ano mais leve e renovar nossa inspiração para seguir em frente com aquilo que acreditamos. Foi (e ainda é) um ano de desafios, batalhas e aprendizagens, um ano de boas amizades, risadas e de bons filmes, também - papo para outra lista planejada. Mesmo com todas as adversidades e desafios pelo caminho, a música nunca deixou de existir, sempre esteve presente conosco em todos os momentos de 2022.
Chegou a hora de celebrar o que rolou de melhor na nossa cultura pop brasileira. Separamos 27 discos que em nossa humilde opinião são reflexo do que há de melhor em nosso país. Confira logo abaixo.
(Marcello Almeida).
Textos por: Marcello Almeida, Eduardo Salvalaio e Alexandre Tiago.
27- Pamela Amaro- Samba Às Avessas
Pâmela Amaro foi uma grande revelação da música brasileira em 2022 que deve ser conhecida e ouvida pelo mundo todo.
Natural de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul. Ela é uma grande admiradora da MPB e do Samba de Raiz, tendo como principais referências Nilze Carvalho e Dona Ivone Lara, ótimas cantoras e muito importantes para a música brasileira. Ambas exercem uma forte inspiração e influência na artista gaúcha, seja em lutas antirracistas ou na formação do seu repertório, que transmite uma sonoridade bem forte, poética, envolvente e cativante.
O álbum contém tem 12 músicas espetaculares onde as letras foram compostas pela gaúcha e por seus parceiros musicais. Com destaque para “Saudação a Tupan” uma forte homenagem musical ao seu avô que faleceu de covid-19 em 2020.“Deixa que Eu Vou Te Contar” dá voz as mulheres negras esquecidas pela sociedade, numa letra bem impactante que conta com as brilhantes participações de Maíra Freitas e Yzalú.
26- Black Pantera- Ascensão
Black Pantera é um grupo musical brasileiro de crossover thrash criado em Uberaba, Minas Gerais, em 2014. A banda é composta pelos integrantes Charles Gama, Chaene da Gama e Rodrigo "Pancho" Augusto. Todos os integrantes são afrodescendentes e a banda costuma tratar de temáticas como política, racismo e discriminação nas suas composições.
'Ascensão' seu mais novo disco foi lançado em 11 de março de 2022. Com 12 faixas potentes e nervosas que imprime o sentimento de revolta com os acontecimentos dos últimos anos no Brasil. Riffs ligeiros e pesados embalam o trabalho do grupo ao lado dos vocais pontuais de Gama.
A banda pode se tornar uma reveladora surpresa, principalmente para quem não conhece o som encorpado dos mineiros de forma poucas vezes ouvidas no rock nacional.
25- Luna França- UM
Luna França teve seu primeiro contato com a música ainda na infância. Não é à toa: ela é filha do cantor Dudu França, dos anos 70/80. Aos 15 anos, cantava profissionalmente com o pai. Também teve aulas de harmonia e de piano sob o comando da pianista Silvia Goés.
Apesar de ter pouca idade, demonstrou experiência participando de muitos shows como Lollapalooza (SP), além de compartilhar o palco com grandes nomes a exemplo de Paulo Miklos e Tatá Aeroplano. Independentemente de ter estudado Jornalismo, foi na Música que descobriu sua verdadeira paixão. Também é produtora musical, o que deixa ainda mais latente seu engajamento com a arte.
Trazendo uma sonoridade que mescla Pop, Rock, MPB e Bossa, a cantora também faz questão de trabalhar as letras de sua música. Muito do que Luna canta, trata de relacionamentos amorosos e geralmente as frases chegam de forma lúdica, sensual e até mesmo erótica. Exemplo é a faixa ‘Como’: ‘’Te Janto, te lambo / Lambuzo, te uso / Que gula, engulo / Num gole, loucura’.
24- Zé Ramalho- Ateu Psicodélico
Após um hiato de 10 anos, o paraibano Zé Ramalho lança um disco de estúdio com filosofia, poesia e ecletismo musical. ''Ateu Psicodélico', sucessor do 'Sinal dos Tempos' de 2012, apresenta de forma excelente a sonoridade filosófica e o ecletismo musical do músico paraibano.
O título 'Ateu Psicodélico', de acordo com o Instagram de Zé Ramalho, foi concebido pelo músico Arnaldo Baptista (ex-integrante da banda Os Mutantes), que postou nas suas redes sociais, indicando desde aquele momento, um trabalho musical novo para os fãs e admiradores do trovador nordestino.
Igualmente ao que ocorreu com 'Sinal dos Tempos', o novo disco foi gravado pela Avôhai Music, com o selo Discobertas. A gravadora tem feito, com muito carinho e zelo, a preservação do acervo e legado musical de Zé Ramalho, respeitando o artista. '
'Ateu Psicodélico' é um disco que requer atenção ao ser ouvido, pois suas letras abordam diversos temas, sejam sentimentais, existencialistas ou sociais. Apesar disso, é uma ótima obra, pois expressa os questionamentos, as emoções e as opiniões de um artista importante da rica música brasileira.
23- Tulipa Ruiz- Habilidades Extraordinárias
'Habilidades Extraordinárias' é um tributo de Tulipa Ruiz a sua trajetória, com sons marcantes e lindas letras.
O disco possui 11 faixas muito boas com destaque para “Samaúna” que abre bem o trabalho com uma relação bonita e poética da intérprete com a natureza em uma sonoridade espetacular. “Pluma Black” que traz a participação de Negro Leo, temos um reggae com batidas eletrônicas que faz o ouvinte viajar por suas palavras cheias de letra L. “Kamikaze Total” um som forte que ecoa com uma mensagem impactante e necessária de combater a violência contras as mulheres em uma sonoridade arrebatadora. “Novelos” um som que parece ter sido feito no auge da Tropicália nos anos 1960 com lirismo cheio de psicodelia e um som altamente elétrico.
22 - Ultropico Solar- Samba Para-Raio
Ultrópico Solar também se torna um trabalho que revela novos artistas e compositores. Um coletivo da Parnaíba (Piauí) que une música com artes visuais e participa de movimentos artísticos. Essa dinâmica e inquietude são ouvidas na sonoridade. Além de um experimentalismo mais amplo, a intenção é obter sons diversos, incluindo: MPB, Psicodelia, Samba, música regional do Nordeste e Indie-Rock. Foi o que aconteceu no trabalho anterior, o interessante “Porto Fantasma”(2020).
Em 2022, "Samba Para-Raio" ainda segue a proposta do grupo. Um laboratório musical capaz de dialogar livremente com a música brasileira e com tudo que ela trouxe de herança e influências. A latinidade, o ritmo e a improvisação característicos da história musical do país.
21- Paulo Miklos- Do Amor Não Vai Sobrar Ninguém
Paulo Miklos é um artista que sentimental e artisticamente vivenciou muitas coisas. Em 1982 entrou para a banda Titãs, no mesmo ano de 1982 se casou com sua primeira esposa Rachel Salem, em 2001 fez o seu primeiro filme como ator, em 2013 ficou viúvo, em 2016 saiu dos Titãs e no mesmo ano se casou com sua atual esposa Renata Galvão. Além disso, fez discos solos e ao lado dos Titãs, também já se aventurou pelo mundo cinematográfico fazendo vários filmes e passou por uma pandemia que o deixou bem mais sentimental e imaginativo.
Essa é a mistura de sentimentos e ideias que o artista apresenta em seu novo disco, "Do Amor Não Vai Sobrar Ninguém", lançado oficialmente em 27 de maio. O trabalho possui 12 músicas muito boas. E entre elas se destacam “Ao Teu Lado” uma faixa que levanta a importância de ter alguém que nos ame, respeitando nossas qualidades e defeitos.
20- DNSM- Despertar
A DNSM é uma banda de São Paulo que se formou em 2018. O quarteto é composto por JJ Zen (vocais), Deborah Facco (vocais), Pedro Rocha (guitarra) e Felipe Hipernoise (efeitos e sintetizadores). O som do grupo segue um modelo formado por vocais, guitarra e sintetizadores. Nota-se uma forte influência de bandas que passam pela Eletrônica (Depeche Mode, Leftfield) ou pela Psicodelia (Secos e Molhados, Mutantes). O grupo chega ao terceiro EP, "Despertar".
“Despertar” é um dos EP’s nacionais mais interessantes de 2022. Um exemplo que mostra uma banda promissora que se preocupa em unir melodia e letras num único lugar.
19- Marina Gasolina- Dispopia
Uma das grandes surpresas da casa esse ano foi conhecer o som melódico e bonito de Marina Gasolina, que lançou recentemente seu mais novo disco intitulado 'Dispopia'. A artista retorna quase uma década depois, após seu disco de estreia 'Commando'.
'Dispopia' traz canções que dissertam sobre luto, drogas, existencialismo e uma bela ode ao fim do mundo. O disco ficou guardado por longos anos e foi precedido pelos ótimos singles "Struck" e "Know Nothing".
Outra grande pontualidade do álbum é a voz de Marina Vello aka, que tem a capacidade de transportar o ouvinte para outra dimensão.
18- Lô Borges- Chama Viva
O novo álbum do cantor e compositor mineiro conta com a participações especiais de Milton Nascimento, Beto Guedes e Paulinho Moska. Com 70 anos, o músico tem sido um tanto prolifero, mantendo a média de um disco de inéditas por ano. São aproximadamente 50 anos de carreira.
'Chama Viva, seu quarto disco autoral em quatro anos, acende o melhor da música brasileira em dez ótimas canções que destacam o fascínio do artista pelo desconhecido, aquele sentimento que só a música pode proporcionar. Com destaque para canção "Veleiro" que traz a participação de Milton Nascimento.
Em entrevistas recentes, Lô Borges disse que o grande ápice do álbum se concentra nas participações de Beto, Moska e Milton. E realmente, essas participações, reacendem o espirito coletivo do Clube da Esquina, trazendo um conceito harmônico contagiante para 'Chama Viva'. Ouça agora!
17- Adriano Bê- Bê
Adriano Bermudês (Bê), vocalista da banda Pós-Punk mineira Drowned Men, se aventura por um caminho solo com a estreia do seu noturno e enigmático debut autointitulado, ou como ele mesmo se define nas redes sociais: "vocalista afogado da Drowned Men."
O disco é Um verdadeiro salto estelar, com todos os ingredientes necessários para se fazer música pop. Uma sonoridade que abraça a ode dos anos 80, sua música adota elementos de bandas como: Joy Division, The Cure, Echo & The Bunnymen e The Simths.
Bê consegue atrelar todas essas influências em uma música autoral agridocemente incrível, são melodias nostálgicas, acordes profundos e melancólicos. A voz excêntrica de Adriano, conduz o ouvinte literalmente para atmosfera soturna e gótica do Pós Punk mineiro.
16- Gorduratrans- Zera
Gorduratrans é um duo do Rio de Janeiro formado por Felipe Aguiar (guitarra, voz) e Luiz Felipe Marinho (bateria, voz).
Primeiro fator diferencial de “Zera”, terceiro trabalho da dupla, é que ele foi gravado em locações variadas e com a ajuda de outros artistas, diferente dos anteriores que tiveram suas gravações caseiras na própria casa dos integrantes. Além disso, o duo considera esse álbum como uma espécie de recomeço, uma redescoberta da relação deles com a arte. Por conta disso, o título se encaixou a apropriadamente.
Para o disco, o duo busca trabalhar ainda mais com as possibilidades sonoras que um estúdio oferece. Mesmo diante da crueza e do peso que são engrenagens básicas da sonoridade, sentem a necessidade de uma limpidez do instrumental em algumas faixas, as letras e a própria produção buscam trazer um lado mais maduro do Gorduratrans.
15- Der Baum- Der Baum
Der Baum, traduzindo para o português, significa A Árvore. Mas para o intuito desse texto, estamos falando de uma banda formada em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista. Com 9 anos em atividade, a formação atual do grupo consiste em Fernanda Gamarano (guitarra e vocais), Ian Veiga (teclados e vocais) e César Neves (bateria e vocais). Contando com alguns EP’s e o álbum “Guarujá Nights” (2018), chegam agora ao homônimo e mais recente disco.
A sonoridade do trio emula ao máximo a sonoridade 80’s. Segundo os próprios integrantes, esse novo disco então absorve ainda mais as influências da década. Logo, é comum ver vários gêneros entrelaçados como Pós-Punk, New Wave, Synthpop e Industrial. Para o ouvinte que passou por essa geração, fácil reconhecer influências que ajudaram a construir as 10 faixas do álbum.
Um grupo com olhar para o futuro e para a tecnologia que não se esquece do passado e de suas influências. Que a árvore possa crescer mais e se espalhar em frutíferos ramos.
14- Mundo Livre S/A- Walking Dead Folia (Sorria Você Teve Alta!)
O Mundo Livre S/A, banda pernambucana formada em 1984, na cidade de Recife, após o término de três bandas Punk (Trapaça, Serviço Sujo e Câmbio Negro) tendo como líder o cantor e compositor Fred 04, um dos expoentes ao lado de Chico Science e Nação Zumbi, pela fortificação e ascensão do movimento conhecido como Manguebeat, ressurge nesse início de 2022, trazendo uma leitura fidedigna do nosso atual cenário político e econômico, expondo as mazelas, os achismos e negacionismos implantados depois das eleições de 2018, fortemente representada pelas fake News.
O novo álbum de estúdio ‘Walking Dead Folia (Sorria Você Teve Alta!)' é extremamente representativo, mesmo antes de ser tocado. A capa sarcástica e honesta do disco (retrato fiel do Brasil), bem elaborada e pensada pelo ilustrador Wendell Araújo, une o mundo apocalíptico do seriado de TV The Walking Dead com as folias e aglomerações do verdadeiro carnaval que virou o país.
13- Crime Caqui- Atenta
Crime Caqui vai te fazer chorar com o debut de estreia 'Atenta'.
Desde 2017, a banda marca presença na cena musical autoral, dando mais visibilidade à mulher no meio alternativo. O quarteto de Sorocaba, composto por Fernanda Fontolan (baterista), May Manão (guitarrista), Larissa Lobo (guitarrista) e Yolanda Oliveira (baixista), apresenta um som pós-punk, um tanto indie, até mesmo sonhador, mas, sem dúvida, brasileiro - com as características "erres" marcadas, típicas do interior paulista -, encantando os ouvintes com seu primeiro álbum.
O disco apresenta um universo paralelo que dá acesso a uma obra que tem uma linguagem e identidade sonora bastante parecidas, mergulhando nas vertentes do Dream Pop e Indie Rock, gerando uma abordagem intimista sobre assuntos sentimentais e conflituosos do mundo feminino.
E isso é contagiante e fascinante.
12- Cássia Eller & Victor Biglione In Blues
Na época que foi gravado, a Polygram (hoje Universal Music), não lançou o álbum e o engavetou, pois na época a jovem artista estava formando sua identidade musical que flertava muito com o Pop, o Rock e a MPB e também porque economicamente, o Brasil não estava bem. Até mesmo no âmbito social. O país declinava com o governo Fernando Collor.
Felizmente, a gravadora não excluiu o álbum de seus arquivos e o lançou para reparar um erro do passado. Esse é um registro que teria sido muito bem acolhido pelos fãs e críticos se tivesse sido lançado na época. Um álbum que com certeza tocaria muito pela MTV Brasil e TV Globo. E sim, venderia muitas cópias em sua versão física nas mais diversas e amadas lojas de disco pelo Brasil.
'Cássia Eller & Victor Biglione in Blues' não é um disco póstumo qualquer. Ele contém timbres e vozes profundas, produção elevada e uma Cássia Eller que apesar de início de carreira, já se mostrava uma artista atenciosa, esforçada e exuberante.
11- Criolo- Sobre Viver
Kleber Cavalcante Gomes, mais popularmente conhecido como Criolo, é um dos principais nomes do Rap e Hip Hop no Brasil.
"Sobre Viver" é o seu disco mais recente, 5 anos depois de "Espiral de Ilusão". E é também o primeiro álbum de Rap que o artista faz após 8 anos de seu último trabalho que foi o “Convoque Seu Buda” de 2014.
O trabalho é uma atuação de amor, rebeldia e reflexão madura que se faz necessária de ouvir colocando ele como um dos porta vozes de uma geração de rappers que reinventaram o Rap com letras bem poéticas e profundas com nomes como Emicida, Rael, Cynthia Luz, Xamã e Rashid.
"Sobre Viver" é uma reunião musical de canções em melodias maravilhosas que mostram a jornada de amadurecimento, de vivência, de pensamento e de emoção de um músico que cada vez mais abre para o mundo seu talento musical eclético e poético dentro do Rap, aproximadamente 40 minutos.
10- Gabriel Ventura- Tarde
Gabriel Ventura é um cantor, compositor e guitarrista carioca. Ao lado da baterista Larissa Conforto e do baixista Hugo Noguchi, fez parte do grupo Ventre. O trio acabou, mas as ideias e a vontade de fazer música de Ventura não. Três anos após o término do Ventre, lança seu primeiro álbum solo, intitulado “Tarde”.
A música inexata, em constante mudança, se confrontando entre momentos de calmaria e de tempestade, que une a intensidade e a suavidade, o ritmo que se junta através de remendos e de uma estrutura sonora estilhaçada. As letras fazem uma reflexão sobre relacionamentos amorosos que geralmente fracassaram, tudo sob a ótica diferenciada do músico. São características que regem os 36 minutos de “Tarde”.
Gabriel é o tipo de músico que cria e inventa possibilidades sonoras, sobretudo dentro do estúdio. Efeitos, ruídos, camadas vocais espalhadas pela música, transições, o jeito que alguns instrumentos irrompem nas canções, arranjos por vezes desconcertantes, melodias em camadas. Experimentar e ousar. Essas são as ordens do músico.
9-Letieres Leite & Orkestra Rumpilezz- Moacir de Todos Os Santos
Esse é daqueles discos mágicos que batem e soam como uma verdadeira obra sinfônica harmoniosa. 'Moacir de Todos Os Santos' coloca em pauta toda a magistralidade e talento do arranjador, percussionista, saxofonista e maestro Letieres Leite, que morreu no ano passado em decorrência de COVID-19.
Nesse trabalho póstumo, Letieres dirige a Orkestra Rumpilezz - big band soteropolitana criada por ele em meados de 2006. Um conjunto de sete canções que traz uma interpelação e uma aproximação afro-baiana do repertório do consagrado disco 'Coisas' (1965), obra-prima e marcante do compositor, saxofonista, arranjador e maestro pernambucano Moacir Santos (1926-2006).
Um deleite saboroso que vai te fazer viajar em pensamentos e voltar várias vezes no tempo. Melodias que adentram a alma e trazem conforto, paz e a possibilidade de esquecer o mundo ao seu redor por valiosos 43 minutos.
8- Luneta Mágica- No Paiz das Amazonas
A banda Luneta Mágica, de Manaus, apresenta um som surreal e extremamente interessante em seu terceiro disco 'No Paiz das Amazonas'. Trata-se de um trabalho experimentalista que utiliza a psicodelia e letras inteligentes para debater a relação da cidade com a floresta. Cada canção desse álbum é uma manifestação de pura energia, um contexto precioso, a ser descoberto pelo ouvinte.
Já logo na faixa introdutória somos apresentados a uma odisseia sonora envolvendo sons da natureza, dos centros urbanos, ruídos de animais e cantos dos pássaros, detalhes que destacam e evocam a genialidade da banda dentro do estúdio para reproduzir todas essas sonoridades. Uma espécie de Radiohead brasileiro fundido nas vertentes do som do Pink Floyd.
'No Paiz das Amazonas' te apresenta a nova psicodelia brasileira. Vale muito a pena dedicar seu tempo para saborear essa delícia tropicalista com uma pegada no rock alternativo.
7- Tim Bernardes- Mil Coisas Invisíveis
O segundo disco solo do músico e compositor Tim Bernardes, vocalista da banda Terno, apresenta canções existencialistas e melódicas. 'Mil Coisas Invisíveis' parece uma coleta de experiências e vivências presenciadas pelo exímio compositor paulista, desde que lançou o ótimo disco de estreia em carreira solo, 'Recomeçar' (2017).
Porém, o segundo disco de Tim, soa mais leve e solto. Como se o artista encontrasse um certo ar para respirar enquanto mergulhava de cabeça em composições detalhistas sobre os sentimentos de viver nesse tempo que se diz moderno e tecnológico, abraçando um contexto sobre relacionamentos amorosos de maneira honesta e concisa com versos poéticos infindáveis na alma.
'Mil Coisas Invisíveis' dispensa e descarta qualquer dúvida que chegou a existir sobre a genialidade desse compositor que fala sobre as coisas da vida de um jeito tão belo e harmonioso. Tim Bernardes se consagra como uma notória e grande referência da nova safra da MPB, seja em sua pontual carreira solo ou com o Terno.
O que mais chama a atenção nesse conjunto de quinze faixas, é justamente a capacidade que Tim tem de falar sobre as inquietações, cansaços e fragilidades da vida sem deixar de lado a leveza dos dias bonitos da vida.
6- Baco Exu do Blues- QVVJFA?
O que mais chama atenção no som feito pelo rapper Bacu Exu do Blues, é a potência de seus versos líricos que mergulham nas dores da vida, corações partidos e romances pautados pela conexão química do sexo.
Em seu novo disco 'QVVJFA?', o artista embarca em canções bem mais intimistas do que o álbum anterior, 'Bacanal na Quarentena' (2020). Porém, apesar do lado íntimo bem evidenciado, essa é uma característica que o rapper vem trabalhando desde o disco de estreia 'Esú' (2017).
No entanto, essa ligação torna-se mais forte e intensa com o novo trabalho, que é baseado em experiências e dores pessoais, o que acaba por criar uma espécie de conexão emocional com quem ouve. Melodias arrebatadoras e atraentes acompanham os vocais do músico através de músicas que imitam diversos sentimentos, talvez pelo sincero e aberto romantismo na poesia do eu lírico, e isso é um aspecto que não deixa o disco soar monótono ou arrastado, ao contrário 'QVVJFA?' se torna uma experiência envolvente e poderosa.
5- Ratos de Porão- Necropolítica
Politizado, sonoro e provocador. 'Necropolitica' o novo trabalho enérgico dos Ratos de Porão, apresenta um rock envolvente, um João Gordo elétrico e uma banda inspirada em trazer músicas fascinantes através de letras viscerais que combatem o preconceito e o fascismo com ferocidade, pontualidade e versatilidade. Um som agradável, forte e ótimo que forneceu importantes vibrações sociais e culturais para o ano de 2022.
'Necropolítica' chega após oito anos do lançamento do ótimo 'Século Sinistro' (2014), a banda paulista segue contextualizada com os últimos acontecimentos no cenário político e socioeconômico do Brasil. Sem rodeios, João Gordo cia descem críticas pontuais e necessárias ao Governo de Jair Messias Bolsonaro, ao avanço perigoso da extrema-direita e dão uma fascinante aula de história com muito Hardcore, Punk e Trash Metal.
As composições são concisas e rápidas, enfatizando a força dos versos.
4- Terno Rei- Gêmeos
Nem parece que transpassou tanto tempo assim desde que o Terno Rei surgiu na cena do rock alternativo paulista. A banda foi formada em meados de 2010 pelos amigos Ale Sater, Bruno Paschoal, Greg Maya e Luis Cardoso. O primeiro disco ‘Vigilia’ chegou em 2014, trazendo faixas como“Luz de Bem”e “Quando o Dia Raiou”, o LP deixou claro a capacidade e talento da banda, e já traçava o caminho pelo qual eles iriam trafegar, uma estrada radiante entre o Indie Rock e o Dream Pop, com canções melodiosas de deixar singelas pegadas na alma. ‘Essa Noite Bateu Com um Sonho’ ganhou vida em 2016, um disco focado em canções agridoces e marcantes, com melodias que esbarram em bandas como Ride e Slowdive, resgatando a essência do rock britânico dos anos 90.
Com dois discos no currículo, bagagem de estradas, shows e vivências, o quarteto paulista chegou ao renomado e elogiado terceiro álbum, ‘Violeta’ de 2019, responsável por aumentar o leque de fãs da banda e abrir novas oportunidades e consagrar de vez o Terno Rei como uma das melhores bandas do rock alternativo e indie rock brasileiro. Canções como “Medo” e “Solidão de Volta” imprimem uma gama de sentimentos na alma, e assim se faz todo o ‘Violeta’, um disco para guardar ao lado do peito.
Tempos pandêmicos, de isolamento, de mortes, incertezas e (des) governo, que implantaram uma avalanche de sentimentos na cabeça da gente. De repente a vida como acostumávamos conhecer foi virada de ponta-cabeça e nada mais seria como antes. Sentimentos e nostalgia que caíram como uma chuva de lavar a alma no quarto disco do Terno Rei, ‘Gêmeos’, lançado em março de 2022, o novo trabalho do conjunto paulista conseguiu captar toda euforia e angústia desse tempo todo longe dos palcos, longe do contato físico intensificado pelo maior tempo nas redes sociais, que de certa maneira transmitiram um certo conforto mascarado pela doce ilusão de normalidade e de construção de relacionamentos superficiais, longe de beijos e abraços; muito mais do que isso, ‘Gêmeos’ é formado por um conjunto de 12 canções que falam sobre amizade e solidão, com uma sonoridade moderna que combina diversos ritmos que funcionam muito bem no contexto geral do disco.
Um disco que se abastece de diversos caminhos criativos, seja em elementos atmosféricos ou por timbres pontuais de guitarras.
3- Wry - Aurora
O primeiro sentimento que surge na cabeça ouvindo ‘Aurora’, novo álbum de estúdio da banda sorocabana Wry, é de expectativa de dias melhores. O oitavo disco do grupo chegou pela Before Sunrise Records, e com todas as letras em português, o que ressalta ainda mais a conexão do ouvinte com as canções que retratam temas do cotidiano recorrentes em um Brasil em total desalento.
‘Aurora’ foi produzido por Bros e João Antunes, este último responsável pela mixagem e masterização. Um trabalho que não teve medo de expor seu contexto, que por hora, pode remar contra a própria trajetória da banda. Ousado e experimental. Novas sonoridades, elementos e um certo desafio perante todas as diversidades do mundo lá fora. Detalhes que reafirmam o entrosamento de um grupo conectado com a atualidade e traçando um olhar cauteloso para o futuro.
Aurora indica um novo amanhecer, um certo otimismo jogado no ar sem revelar o que pode acontecer futuramente. Uma confiança moderada, dosada com cautela. Um dia de cada vez. Não precisamos correr demais para descobrir esse sentimento indeciso que surge no peito nesse instante, ele vai se revelar conforme o tempo passar.
Wry acerta novamente a mão e entrega um álbum sucinto, harmonioso e contagiante. Como se fosse um espelho refletindo a paisagem desse final de 2022. Trazendo frescor e esperança para o próximo ano. A gente quer esperar, sim, até porque ‘Aurora’ fomenta nossos anseios mais imensuráveis.
2- Planet Hemp- Jardineiros
A música do Planet Hemp soa reflexiva, provocativa e repleta de percepções entre o mundo e o ouvinte. O mundo não é perfeito e a rapaziada do Hemp sabe muito bem disso, como também sabem que é possível lutar contra tudo que nos é empurrado pelo sistema através da arte, da cultura e da música.
Após longos 22 anos do lançamento do bom 'A Invasão do Sagaz Homem Fumaça' e 21 anos do 'MTV Ao Vivo', a banda composta atualmente por Marcelo D2, BNegão, Nobru, Pedrinho e Formigão, está de volta na praça com 'Jardineiros' seu novo álbum de estúdio, prova a relevância e a importância do grupo brasileiro para o atual cenário socioeconômico do país. Cabe menções aqui a emblemática reunião promovida por eles no VMB de 2010, e o potente show realizado no Circo Voador em 2012, só deixou o grupo ainda mais unido e forte nos seus propósitos musicais.
O álbum possui 15 faixas impactantes, marcadas pelo lirismo focado em temas sociais com uma sonoridade eclética que destaca muito bem a essência, pureza e o poder cultural do Planet Hemp que sempre vem embasado em diversas referências.
'Jardineiros' é um disco que tem tudo para ser considerado um verdadeiro clássico do Rock brasileiro no futuro. Por trazer músicas muito boas, letras com aspectos atemporais sobre diversos temas e uma sonoridade explosiva. O Planet Hemp é composto por músicos que não se calam diante da opressão, injustiça e medo, uma banda admirada por sua coragem filosófica de mostrar suas ideologias onde é possível lutar por um mundo melhor e, com a arte, essa luta é possível.
1- Alaíde Costa - O Que Meus Calos Dizem Sobre Mim
De tempos em tempos você se depara com uma obra poderosa e poética que consegue traduzir de maneira honesta e bonita os atropelos, as adversidades e lutas da vida. Trazendo a tona sentimentos e recordações cristalizados em um lugarzinho da alma, 'O Que Meus Calos Dizem Sobre Mim' (2022) consegue enfatizar muito bem esse contraste do peso da vida com a beleza de canções que mergulham no Samba, MPB e Jazz que lembram algumas coisas de Claudette Soares.
Na verdade, é mais um conjunto das vivências e experiências da cantora e compositora Alaíde Costa, de 86 anos, o disco encorpado por 8 músicas no total, faz um uso certeiro dos elementos da música brasileira para imprimir em preto e branco toda uma bagagem de uma carreira de mais de seis décadas experimentadas por uma cantora que conhece bem as barreiras e pedras encontradas pelo caminho.
O trabalho ainda conta com a produção de Emicida e Marcus Preto. "Turmalina Negra" faixa que abre o registro, é uma composição de Céu com Diego Poças. A canção é uma bela ode ao tempo transitando liricamente entre o passado e o presente. Por sinal, tema bastante pertinente no contexto do álbum.
O disco ainda conta com a colaboração do músico Nando Reis na composição da faixa "Tristonho", um dos vários momentos bonitos e delicados da obra que unificam uma atmosfera de dores, angústias, amarguras e cicatrizes de longas batalhas enfrentadas pelos caminhos da vida, diluídas em arranjos que buscam reconciliação e superação. São inúmeras interpretações que se pode tirar deste majestoso disco, entretanto, todas elas irão te levar para o poderoso título do álbum.
Outra canção de destaque fica por conta de "Praga" que marcou pela primeira vez a colaboração de Tim Bernardes com o saudoso Erasmo Carlos.
'O Que Meus Calos Dizem Sobre Mim' é um disco que não tem pressa de se entregar, assim feito a vida, ele vai avançando revelando lentamente surpresas a cada nova audição.
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