Sparkes utiliza ficção, metáforas e simbolismos para dialogar com questões presentes em nossa sociedade
Uma das maiores virtudes do cinema é trabalhar com temas que discutem moral, crença, poder e a natureza humana. Essa proposta nunca é fácil de ser executada, tampouco de ser totalmente compreendida no resultado final da produção. Muitas vezes o que é visto na tela pode render polêmica, subversão e controvérsias mesmo que a narrativa ali traga um retrato próximo de nossa realidade.
O filme canadense A Menina do Mar (2024) de Christian Sparkes almeja trabalhar com essas questões. Aqui, propriamente, o diretor pretende explorar as mudanças de uma pacata, isolada e idílica vila de pescadores que muda de comportamento após a chegada inesperada de uma garota com poderes extraordinários.
Algo que o diretor Josh Trank fez tão bem no filme Poder Sem Limites (Chronicle, 2012) quando três amigos descobrem que possuem superpoderes. Entretanto, após um tempo, começam a perder o controle da situação e colocam a própria a amizade deles em risco.
Embora ambos os filmes tenham uma carga dramática, Trank prefere embarcar pela Ação e muitos efeitos especiais, enquanto Sparkes segue por um ritmo lento, conduzindo sua narrativa através de Mistério e Thriller, sem desvendar prontamente como Isla age na personalidade dos habitantes da vila.
Sparkes faz uso da Ficção, bem como de metáforas e simbolismos, para dialogar com muito do que vemos em nossa sociedade. Novamente, o Cinema reflete sobre os impactos nas pessoas que agora precisarão lidar com os poderes que tem a seu dispor.
Isla, ainda bebê, foi encontrada dentro de um barco virado no mar. Salva pelo prefeito Bobby (Clayne Crawford) que resolve adotá-la, ela passa a ser considerada como uma salvadora ao realizar curas e milagres para a comunidade da vila. Sem muita explicação, vemos logo Isla com 10 anos junto a outras crianças, apenas querendo viver ao lado dos amigos e da família, mas que acaba virando uma espécie de deusa para os habitantes.
Entretanto, o espectador entenderá como isso aconteceu e como os poderes da garota se manifestam de forma gradual, não abrupta. É o mesmo tempo que observamos os atritos que passam a acontecer entre os moradores, inclusive com a ideia de que ter Isla passa a indicar uma noção de poder e de salvação.
Distante de ser mais um filme típico de super-herói, o dom da garota Isla (Alix West Lefler) servirá como estopim para uma série de mudanças na vila. Na visão do diretor, a menina é a chave para explorar uma comunidade que vive em conjunto, mas que agora retira a camuflagem de suas diferenças, pensamentos egoístas e busca por cobiça.
Outro recurso importante para criar uma atmosfera sombria na película é a própria situação desoladora da vila. Além disso, os moradores são decididos a não ter contato com outros lugares, inclusive nem procuram por médicos e clínicas fora da ilha. Isso acrescenta o tom de conservadorismo que acaba pesando na situação de extrema idolatria da garota, além de impactar no antagonismo de ideias entre alguns habitantes.
O filme nem precisa fazer abuso de cenas violentas. Mesmo assim, alguns momentos são bem chocantes e devem fica na memória. Exemplo é a passagem em que um dos habitantes resolve sacrificar a própria vida se envenenando na esperança que Isla possa salvá-lo.
A meia hora final também garante uma tensão extra, tudo desencadeando para um final explosivo que deixará o espectador com interpretações variadas e alguns questionamentos. Se assim deve ser o Cinema, Sparkes está num bom caminho.
A Menina do Mar
The King Tide
Ano: 2023
Gênero: Terror
Direção: Christian Sparkes
Roteiro: Albert Shin, Ryan Grassby
Elenco: Aden Young, Alix West Lefler, Clayne Crawford, Frances Fisher
País: Canadá
Duração: 100 min
NOTA DO CRÍTICO: 7,0
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