Exuberante, lindamente texturizado, emocional e espiritualmente impactante, onde a sua real beleza não está apenas em sua música, mas também na sua capacidade de tocar o coração de quem o ouve.
Shabaka Hutchings é, sem dúvida, uma figura proeminente no cenário do jazz contemporâneo. Sua carreira é uma jornada fascinante por meio de uma rica tapeçaria de estilos musicais que o destacam como um músico bastante importante de sua geração. Hutchings tem sido moldado por uma combinação única de influências culturais e musicais. Sua herança caribenha, permeada pelas vibrantes tradições musicais da região, desempenhou um papel fundamental em sua formação como músico. Além disso, o ambiente musical diversificado de Londres, onde cresceu e se desenvolveu como artista, proporcionou a ele uma ampla gama de experiências e influências para explorar.
O talento de Shabaka vem de muito cedo. Mergulhando em uma variedade de estilos que vão desde o jazz ao reggae, o músico parece está sempre observando o que acontece de mais rico na música ao seu redor para poder servir de inspiração para suas próprias composições. Toda a versatilidade de Hutchings vem dessa sua sede por conhecimento e vontade de explorar um mundo infinito de possibilidades que a música pode proporcionar. Sua capacidade de unir tradição e inovação, combinando elementos do passado com uma visão contemporânea é um dos seus maiores trunfos dentro da construção de sua obra.
Comparado com os projetos coletivos dos quais Shabaka Hutchings faz parte, como Sons of Kemet e Melt Yourself Down, a música encontrada em Perceive Its Beauty, Acknowledge Its Grace, segue linhas muito mais contemplativas. O álbum convida o ouvinte para uma jornada interior, onde a música serve como veículo para uma reflexão. As composições são mais espaçadas e etéreas, permitindo que cada nota ressoe e se desdobre lentamente ao longo do tempo. Há uma sensação de calma e serenidade que permeia todo o disco, entregando melodias envolventes e de texturas ricas para o ouvinte.
No disco, Hutchings não se limita em tocar apenas às várias nuances das flautas, mas também exibe sua habilidade no saxofone – afinal, este até então sempre foi o seu instrumento principal - na faixa Breathing. São mais de 20 músicos que se juntam a ele no decorrer do álbum, contribuindo para uma rica tapeçaria sonora. Nomes como do percussionista Carlos Niño, o virtuoso violinista e violoncelista Miguel Atwood-Ferguson, o baixista sempre sólido, Speranza Spalding e de Brandee Younger e Charles Overton com suas melodias etéreas nas harpas. Além disso, a diversidade vocal é outro ponto interessante, com participações que vão desde Moses Sumney e Saul William até as rimas perspicazes do rapper Elucid, além da doçura de Eska.
As sessões de gravação foram marcadas por uma abordagem única e intimista, refletindo a visão artística de Hutchings e sua ênfase na autenticidade e na conexão humana. Durante esse processo, o músico valorizou enormemente a importância de ter os músicos tocando juntos no mesmo ambiente, sem o uso de fones de ouvido ou barreiras tecnológicas que pudessem interferir na comunicação e na interação entre eles. O resultado é um testemunho da poderosa conexão que pode ser alcançada quando os músicos se reúnem em um espaço compartilhado, sem barreiras entre eles além da música que estão criando juntos.
Perceive Its Beauty, Acknowledge Its Grace é um disco exuberante, lindamente texturizado, emocional e espiritualmente impactante, onde a sua real beleza não está apenas em sua música, mas também na sua capacidade de tocar o coração, como se ressoasse em forma de um convite para uma viagem introspectiva e transcendental. Cada nota parece carregar um tipo de significado ao criar melodias que são executadas com uma graça singular. Particularmente, eu adoro discos que não entregam somente simples entretenimento, mas deixam uma marca duradoura naqueles que o abraçam e estão dispostos a senti-lo.
A característica distintiva do álbum reside na sua consistência e qualidade de produção. No entanto, vale destacar também que a recepção do disco pode variar significativamente entre os ouvintes, especialmente devido às suas nuances emocionais que, apesar de classificadas como jazz espiritual, inclinam-se frequentemente para um lado melancólico. Por um lado, essa abordagem pode ser uma revelação bem-vinda, uma expressão autêntica que ressoa profundamente com o ouvinte e as suas próprias vivências – sendo exatamente o meu caso. Por outro lado, enxergar o disco como uma tendência musical inclinada para sentimentos mais sombrios, pode desafiar as expectativas iniciais do ouvinte, levando a uma experiência de audição que no fim acabará não soando muito gratificante.
Perceive Its Beauty, Acknowledge Its Grace representa uma ruptura ousada e corajosa com o caminho já trilhado por Hutchings e que até então havia sido bem-sucedido. Ao desviar-se dos padrões estabelecidos e explorar novos territórios, ele desafia as expectativas e redefine sua jornada artística. É evidente que o músico está no auge de sua criatividade, explorando novos horizontes e desafiando a si mesmo. O resultado disso, é um testemunho do poder transformador da arte e da música, além de mostrar a capacidade de um artista de evoluir e se reinventar continuamente. No fim, o álbum é uma celebração da coragem de Hutchings em seguir em frente em direção ao desconhecido, mas confiante na própria visão.
Perceive Its Beauty, Acknowledge Its Grace
Shabaka Hutchings
Ano: 2024
Gênero: Jazz Espiritual, Jazz de Câmara, New Age
Ouça: "Insecurities", "I’ll Do Whatever You Want", "Living"
Pra quem curte: Sons of Kemet, Ambrose Akinmusire, Mary Halvorson
NOTA DO CRÍTICO: 9
Ouça "Insecurities"
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