One of the Many mais uma vez mostra a capacidade de Miller em tecer elementos sonoros complexos com uma sensibilidade melódica com bastante riqueza
Rick Miller está na atividade desde as últimas décadas do século XX, em um período que o rock progressivo já havia passado por sua fase de maior popularidade, dominada por bandas como, por exemplo, Yes, Genesis e King Crimson. No entanto, a música desses e outros grupos 70’s tiveram um impacto significativo em Miller, inspirando-o a explorar-se em ideias progressivas clássicas, com arranjos complexos, instrumentação diversificada e temas líricos ambiciosos. O estilo musical de Miller caracteriza-se pela sua atenção aos detalhes e pelo uso de muitas texturas sonoras. Ele emprega uma variedade de instrumentos, mas é particularmente conhecido por sua habilidade nos teclados e na guitarra. Sua música frequentemente apresenta camadas de teclados atmosféricos, solos de guitarra emocionais e uma seção rítmica sólida que serve como a espinha dorsal para suas composições expansivas.
Começou sua carreira discográfica em 1984, sendo One of the Many, seu 18º álbum e sem dúvida um dos seus feitos mais ambiciosos. Como já vem fazendo de uma maneira bastante prolífica, Miller brinda o seu ouvinte com uma musicalidade encantadora, polida e apaixonada. Como sempre, as claras influências em nomes como o Pink Floyd e Moody Blues é evidente, porém, caminham ao lado de um direcionamento musical próprio e compromisso com a integridade artística, além de uma enorme vontade de explorar o desconhecido, sendo uma jornada por paisagens sonoras ricas e texturizadas que desafiam as convenções e expandem os horizontes da percepção auditiva – por isso, vale lembrar que bons fones de ouvidos sempre serão bem vindos.
Atrophy inicia o disco deslizando suavemente para dentro de um mundo de sons onde o tempo se torna uma miragem e as emoções se entrelaçam em uma dança mágica. "Atrophy" é mais do que uma música; é uma jornada transcendental através dos reinos da melodia e da narrativa. Neste oásis sonoro, a música de Miller floresce em sua plenitude, misturando uma paleta de sons que cativam os sentidos e acariciam a alma. Enquanto isso, Miller mergulha na perspectiva de alguém que está vivendo uma luta emocional com a perda de memória,
Time Goes On é uma faixa que exala uma aura de serenidade e introspecção desde o momento em que Rick emerge com suas primeiras notas de piano. A delicadeza com que a música se desenvolve e a sua sensação de fluidez e movimento é extremamente condizente com a sua narrativa que sugere uma reflexão sobre a natureza da morte e o medo que ela muitas vezes evoca. Enquanto isso, guitarra e violão dançam em perfeita harmonia e lideram uma peça grandiosa – apesar da sua curta duração.
The Lost Years é aquele tipo de música dinâmica e multifacetada que transita brilhantemente por uma montanha-russa emocional repleta de reviravoltas sonoras enternecedoras. Uma exploração temática à nostalgia e o arrependimento, destacando a intricada teia das relações passadas e como as memórias podem persistir, assombrando e moldando a vida presente. As linhas de guitarra são as melhores do disco, soando como um desabafo e entregando uma emoção verdadeiramente crua. Seu final onírico é como se estivéssemos nos despedindo de algo precioso e irrepetível.
She of the Darkness é uma incrível música instrumental liderada por um trabalho de flauta maravilhoso. Seus acordes etéreos ecoam como o suspiro suave do vento através das árvores, evocando uma sensação de serenidade e contemplação. Essa melodia celestial é então enriquecida pelas densas orquestrações que a rodeiam, criando uma tapeçaria sonora rica e exuberante que enche o espaço com uma sensação de grandiosidade e majestade. Violão, piano e um breve “ataque de guitarra” completam a faixa maravilhosamente bem.
One of the Many tem um começo que é difícil não trazer o Pink Floyd em mente, então que a música nos envolve como uma névoa sonora, enquanto os efeitos vocais etéreos acrescentam uma dimensão celestial à composição. Aborda o desafio da era digital e destaca o papel da tecnologia e da mídia na sociedade atual, além de expor a importância do discernimento crítico ao consumir e compartilhar informações. Com sua fusão única de melodias cativantes, letras inteligentes e uma sensibilidade sonora incrível, é um exemplo clássico do talento de Miller em criar peças sublimes.
Perchance to Dream, com os seus mais de 13 minutos é o épico do disco. Não é apenas uma jornada musical, mas uma odisseia emocional que nos transporta por meio de uma miríade de sentimentos e reflexões profundas, onde Rick Miller utiliza habilmente cada elemento musical para criar uma experiência sonora envolvente em uma temática lírica que aborda elementos oníricos e reais, sendo também possível incluir uma ponderação sobre a essência da vida e a forma como percebemos o mundo ao nosso redor, transmitindo uma atmosfera enigmática, saudade e reflexão sobre a existência, levando quem ouve a indagar a essência da realidade e da vivência humana. Linhas angustiantes de guitarra, flautas delicadas, teclados atmosféricos e uma seção rítmica sólida criam paisagens sonoras majestosas, onde quanto mais afundamos na sua melodia triste e melancólica, mais somos transportados de volta no tempo, para um lugar onde os sorrisos eram mais fáceis e o mundo parecia mais simples.
Wonderlust é uma composição que transborda emoção e profundidade, evocando uma complexidade de sentimentos e imagens que falam diretamente à alma. Neste convite para explorar os mistérios da existência, encontramos uma mistura sublime de melancolia, beleza e introspecção. Uma trilha sonora para uma meditação onde o foco é a jornada da vida entregue em uma mistura de beleza e tristeza e até uma atração pelo desconhecido. Cada um dos seus elementos é essencial, guitarra incisiva, violoncelo emocionante, coro celestial, enfim, tudo trabalha em perfeita harmonia para criar uma experiência auditiva sensacional.
Another Time não apenas encerra o álbum musicalmente, mas também serve como uma porta para a reflexão pessoal e introspecção. Convida-nos a mergulhar nas profundezas de nossas próprias experiências, reconhecendo a beleza e a complexidade da vida humana. Acústica e acompanhada de alguns floreios de violoncelo, além de uma batida média da seção rítmica, é um desfecho lindamente melancólico para um disco brilhante.
One of the Many mais uma vez mostra a capacidade de Miller em tecer elementos sonoros complexos com uma sensibilidade melódica com bastante riqueza de detalhes e nuances para serem exploradas. As intricadas camadas de instrumentação e os arranjos sofisticados proporcionam uma experiência auditiva rica e envolvente, recompensando os ouvintes mais exigentes e entusiastas da música progressiva por meio de uma jornada musical que nunca deixa de surpreender e impressionar.
Por outro lado, para os ouvintes casuais que podem não estar tão familiarizados com o progressivo, One of the Many oferece uma porta de entrada acessível e convidativa para um mundo sonoro intrigante. As melodias cativantes e os ganchos memoráveis tornam a música instantaneamente atraentes, proporcionando uma experiência auditiva que é ao mesmo tempo estimulante e gratificante.
One of the Many
Rick Miller:
Ano: 2024:
Gênero: Rock Progressivo, Música Sinfônica
Ouça: "Atrophy", "Perchance to Dream", "One of the Many"
Pra quem curte: Camel, Pink Floyd, Moody Blues
NOTA DO CRÍTICO: 10
Ouça, "One of the Many"
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