Na primeira metade de "Fearless Movement", Washington mantém o estilo; na segunda, explora territórios mais complexos e experimentais
Quando falamos de jazz contemporâneo, não mencionar Kamasi Washington soa quase como uma heresia. Afinal, o saxofonista é um dos maiores talentos do sax tenor da atualidade, onde com sua abordagem inovadora e visão artística expansiva, tem sido fundamental para revitalizar e redefinir o jazz moderno, sempre empregando uma musicalidade de solos intensos e improvisações de tirar o fôlego e que demonstram toda a sua destreza no instrumento.
Washington possui uma habilidade única de contar histórias através de suas composições em algumas jornadas de músicas emocionais e espirituais. Além disso, os arranjos orquestrais e corais que frequentemente acompanham suas peças adicionam uma grandiosidade épica ao seu tipo de som. Vários fatores podem credenciá-lo como uma figura central no jazz contemporâneo, tais como sua habilidade técnica, visão inovadora e capacidade de integrar diversas influências musicais em seus discos.
Fearless Movement pode ser encarado como uma celebração a conexão entre movimento e expressão, já que o próprio músico conceituou como dançante a principal característica do disco, embora ele não fale de forma literal. Todos nascemos elásticos e se você não o usa, você o perde. Quando as pessoas ouvem que estou fazendo um álbum dançante, não é literal, diz Washington. A dança é movimento e expressão e, de certa forma, é a mesma coisa que música – expressar o seu espírito através do seu corpo. É isso que este álbum está promovendo.
Ao ouvir Fearless Movement, podemos perceber uma espécie de “mudança criativa" em sua carreira, focando em um conceito que reflete sua busca por novas direções e movimentos artísticos. Vale destacar também, que a inspiração para o disco veio de sua recente paternidade em meio ao auge da pandemia, definida como uma experiência transformadora que trouxe uma nova perspectiva para sua vida e música. A presença de sua filha influenciou profundamente o álbum, e ela apesar de muito nova, até contribuiu com teclados para uma das músicas, adicionando uma camada pessoal e emocional ao álbum.
Citando algumas de suas principais faixas, Lesanu é uma abertura poderosa, exemplificando muito bem a habilidade de Washington em criar uma música que é rica em texturas, emocionalmente estrondosa e estilisticamente diversa. É uma espécie de homenagem às tradições do jazz, ao mesmo tempo em que reafirma sua posição como um dos grandes da cena contemporânea. Asha the First tem a participação da filha de Washington, Asha, tocando teclado na sua parte inicial. É uma música que usa de muita profundidade emocional, enquanto celebra a colaboração e a diversidade de vozes que contribuem para uma peça vibrante.
Get Lit possui uma base funk sólida que é enriquecida por alguns vocais de funk psicodélico. É marcada por ritmos pulsantes, linhas de baixo vigorosas e grooves contagiantes. Essa abordagem criativa é uma marca de Washington, que continua a encantar com sua audácia. Dream State marca um contraste com as músicas mais enérgicas do álbum, proporcionando um momento de serenidade e introspecção. Destaque fica por conta da belíssima interação entre flauta e saxofone.
Togheter destaca-se pela sua capacidade de capturar a essência do R&B clássico enquanto incorpora elementos contemporâneos. O ritmo mais lento da música permite que cada instrumentista brilhe, desde os vocais suaves até o trombone expressivo e os arranjos extremamente cuidadosos. Interstellar Peace (Last Dance) consegue capturar a essência do jazz espiritual e cósmico, criando uma experiência que é ao mesmo tempo introspectiva, expansiva e singular.
O disco ainda contém mais 6 faixas, Computer Love, Visionary, The Garden Path, Road to Self (KO), Lines in the Sand e Prologue, onde todas elas têm tantos méritos quantos as citadas, também esbanjando musicalidade refinada, complexidade e virtuosismo, contribuindo assim, para a narrativa geral do disco, ajudando a oferecer uma experiência rica e multifacetada, além de cativante.
A primeira metade de Fearless Movement é mais acessível, inclusive é algo que pode ter sido muito bem planejado por Washington, para que o ouvinte de primeira viagem não se assuste com o disco e o abandone antes que os seus mais de 80 minutos chegue ao fim. À medida que o álbum avança para a segunda metade, Washington explora territórios mais complexos e experimentais, tornando as composições mais intrincadas enquanto a improvisação assume um papel central, refletindo sua capacidade de criar paisagens sonoras desafiadoras e profundas. Uma pérola preciosa do jazz espiritual e contemporâneo.
Fearless Movement
Kamasi Washington
Ano: 2024
Gênero: Jazz Jusion, Jazz Espiritual, Jazz Rap
Ouça: "Asha the First", "Get Lit", "Together"
Pra quem curte: Nubya Garcia, Shabaka, Sons of Kemet
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