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Entre caixas de fósforo e silêncios: Paterson é um poema que respira

Não acontece muita coisa em Paterson. E é justamente por isso que tudo acontece

Cena do filme Paterson de 2016
Imagem: MUBI

Jim Jarmusch segura a câmera como quem segura a respiração: com cuidado, com reverência, com amor. E nos apresenta a um homem chamado Paterson, que vive na cidade de Paterson, dirigindo um ônibus todos os dias. Parece piada, mas é destino. E mais do que isso: é uma espiral. O cotidiano se repete, se dobra, se estica, se dobra de novo. Mas Jarmusch nos ensina — com olhos calmos e lentes pacientes — que a repetição não é prisão, é poesia.



Paterson, o homem, é um poeta escondido. Escreve em segredo, num caderno surrado, versos que nascem do que passa despercebido: uma caixa de fósforos, o olhar da mulher que ama, o zumbido da cidade que respira cansada. Adam Driver o interpreta com uma contenção que corta fundo — é como se carregasse o mundo nos ombros, mas sussurrando. É um corpo presente, mas a alma sempre parece flutuar entre um verso e outro.


Ao seu lado, Laura, a namorada sonhadora que muda de planos como muda a paleta das cortinas. Canta, pinta, faz cupcakes, projeta sonhos no teto da casa como quem projeta galáxias num planeta que não gira. E o cachorro — cúmplice silencioso, guarda dos poemas, observador da noite. Juntos formam um trio improvável de ternura, cada um perdido no seu ritmo, mas orbitando a mesma vida.


Imagem: Reprodução
Imagem: Reprodução

E é disso que o filme fala: da vida. Não a vida épica, transformadora, cinematográfica. Mas a outra. A vida que parece pequena, mas que pulsa. A que começa com o despertador e termina com o passeio do cachorro. A vida onde a beleza não grita — ela sussurra. Onde a arte não se impõe — ela escapa pelas frestas.


Paterson é o tipo de filme que te obriga a desacelerar. A escutar o silêncio. A enxergar o brilho por trás do marasmo. Cada dia se repete, mas não é o mesmo. Tem sempre uma rachadura nova no muro. Uma rima escondida no asfalto. Uma tristeza que se dissolve no café da manhã. Uma esperança que nasce no poema que ninguém vai ler.



Jarmusch, poeta dos gestos mínimos, filma o banal como quem toca em algo sagrado. E a cidade — a mesma do poeta William Carlos Williams — se transforma em palco de uma existência delicadamente humana. Há uma graça melancólica em tudo. Como se a tristeza e a beleza fossem irmãs siamesas. E são.


Paterson não é um filme para ser entendido. É para ser sentido. É uma carta de amor à arte que nasce sem pretensão, à rotina que dói e consola, às palavras que salvam quando o mundo pesa. E se a vida às vezes parece um poema sem rima, sem métrica, sem sentido, o filme nos lembra: ainda assim, vale a pena escrevê-lo.


⭐️⭐️⭐️⭐️⭐️

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