Em For Melancholy Brunettes, Japanese Breakfast desnuda a melancolia que habita em cada um de nós
- Marcello Almeida
- 31 de mai.
- 3 min de leitura
“Todas as minhas fantasias são reais” — o drama barroco da dor que a gente escolhe sentir

Michelle Zauner nunca foi só uma compositora. Ela é uma encenadora de sentimentos — uma cineasta do luto, uma estilista da memória, uma arquiteta do melodrama. E em For Melancholy Brunettes (& sad women), ela faz o que poucas artistas ousam: transforma a tristeza em uma performance sensorial, deliciosa e decadente, sem perder a verdade crua que pulsa por trás de cada corda, cada piano espectral, cada silhueta enevoada à luz de velas.
É como se ela dissesse: “sim, estou sofrendo — mas com estilo”.
Nesse quarto álbum, o Japanese Breakfast não se contenta em apenas narrar a dor: ele a coreografa. Se em Psychopomp ela cavou a cratera do luto e em Jubilee acenou com um sol tímido por entre as nuvens, aqui ela se afunda de propósito num quarto forrado de cetim, cercada de espectros, mitologias e veludo. Não é autoajuda. É autoficção. Um teatro de sombras onde as lágrimas brilham como purpurina.
“Orlando in Love” abre esse baile melancólico como uma pintura de época — Zauner, vestida como uma poeta renascentista pirata, recita versos em câmera lenta, com chapéu emplumado e coração aberto. Não é só um clipe. É um manifesto: aqui, o choro vem com produção de arte.
Mas o disco não para na estética. Por trás da encenação existe uma intimidade tão dilacerante quanto em seus momentos mais crus. “Picture Window” é a síntese disso. Um dedilhado tenso, uma voz quase infantil, e a frase que despedaça tudo: “Todos os meus fantasmas são reais”. É como se ela cantasse da beira da cama, com o celular na mão e o rosto inchado — e, mesmo assim, o som ecoasse como uma ópera fantasma no fundo de um teatro vazio.
A produção de Blake Mills (que já operou milagres com Fiona Apple e Perfume Genius) amplifica a paleta de Zauner, mas não sufoca seu toque. As cordas assombradas de “Here Is Someone”, o delírio psicodélico de “Honey Water”, tudo parece projetado para embalar o tipo de tristeza que a gente não quer superar — só quer viver mais um pouquinho.
Há espaço pra tudo: a solidão vestida de country em “Little Girl”, o sarcasmo grunge em “Mega Circuit” (com guitarras derretidas e uma crítica feroz ao machismo digital), o encontro improvável com Jeff Bridges em “Men in Bars” — uma faixa que soa como dois fantasmas cantando para o passado num bar esfumaçado de Nashville.
É um disco curto, 30 minutos, mas não subestime sua densidade. É como um perfume caro: bastam algumas gotas pra impregnar tudo. A beleza está nos silêncios, nos sussurros, nos momentos em que a melodia parece querer desistir de si mesma, mas segue, trôpega e bela, como uma mulher de salto alto atravessando um campo minado de lembranças.
Zauner já havia mostrado em Jubilee que sabe transformar dor em linguagem pop sem pasteurizar nada. Mas aqui ela vai além: cria uma fantasia sonora para as mulheres que choram no metrô, que se apaixonam por quem não deviam, que lembram demais, que se vestem como deusas gregas pra esconder o colapso.
For Melancholy Brunettes (& sad women) é uma carta de amor às emoções que a gente foi ensinado a esconder — o colapso, o ciúme, a saudade, o medo de morrer e o medo ainda maior de continuar viva depois que quem você ama se foi.
Michelle Zauner olha pra tudo isso e não tem vergonha de dizer: “eu quero mais”. Mais lágrimas, mais poesia, mais beleza na ruína. Porque, às vezes, não é só ok ficar triste.
É sublime.

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